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quarta-feira, 10 de março de 2010

O CONCEITO DE CONSUMIDOR DIRETO E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Para meus alunos de Direito do Consumidor, segue interessante artigo da Ministra Fátima Nancy Andrighi. Abraços, Prof. Queila.
____________________________________________________________________
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direito e a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça.
Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, p. 1-
11, maio/ago. 2004.
O CONCEITO DE CONSUMIDOR DIRETO E A
JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FÁTIMA NANCY ANDRIGHI
Ministra do Superior Tribunal de Justiça
INTRODUÇÃO
O presente ensaio busca discutir, sob o enfoque jurídico e
econômico, o conceito de consumidor direto, contextualizando-o, de um
lado, com as duas escolas de pensamento formuladas sobre o tema, e, de
outro, com os recentes avanços jurisprudenciais desenvolvidos pelo
Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Dividida em quatro capítulos, a exposição do tema trilhará, em
primeiro plano, a escola subjetiva do consumidor, em segundo, a escola
objetiva; no terceiro capítulo, indicar-se-á a tendência jurisprudencial do
STJ sobre o tema e, por fim, no quarto capítulo, serão adotadas linhas
conclusivas a partir da análise casuística do Conflito de Competência nº.
41.056/SP, recentemente julgado pela Segunda Seção do STJ.
1. A ESCOLA SUBJETIVA
A primeira escola de pensamento, chamada subjetiva ou
finalista, considera que a aquisição ou uso de bem ou serviço para o
exercício de atividade econômica, civil ou empresária (CC/02, art. 966,
caput
e parágrafo único), descaracteriza requisito essencial à formação da
relação de consumo, qual seja, ser o consumidor o destinatário final da
fruição do bem.
Como o bem ou serviço serão empregados no
desenvolvimento da atividade lucrativa, a circulação econômica não se
encerra nas mãos da pessoa natural (profissional ou empresário) ou
jurídica (sociedade simples ou empresária) que os utilize.
O Conceito de Consumidor Direto e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direito e a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça.
Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, p. 1-
11, maio/ago. 2004.
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É de se notar, que para os defensores desta corrente, pouco
importa se o bem ou serviço adquirido será revendido ao consumidor
(diretamente ou por transformação, montagem ou beneficiamento) ou
simplesmente agregado ao estabelecimento empresarial (por exemplo:
maquinário adquirido para a fabricação de produtos, veículo utilizado na
entrega de mercadorias, móveis e utensílios que irão compor o
estabelecimento, programas de computador e máquinas utilizados para
controle de estoque ou gerenciamento): a sua utilização, direta ou
indireta, na atividade econômica exercida,
descaracteriza a destinação ou
fruição final do bem, transformando-o em instrumento do ciclo produtivo
de outros bens ou serviços.
As conclusões adotadas pela teoria subjetiva ou finalista estão
calcadas nos seguintes pressupostos:
a) o conceito de consumidor deve ser subjetivo. Nas palavras
de Fábio Ulhoa Coelho (O Empresário e os Direitos do Consumidor,
Saraiva, 1994, p. 45),
“a ênfase do conceito jurídico recai sobre a sua
qualidade de não-profissional em relação com o fornecedor profissional”
.
Neste contexto, consumidor deve ser entendido como aquele que ocupa
um nicho específico da estrutura de mercado - o de ultimar a atividade
econômica com a retirada de circulação (econômica) do bem ou serviço -
mas com uma finalidade específica:
consumi-lo para suprir uma
necessidade ou satisfação eminentemente pessoal do ser humano, digase;
o que afasta, de plano, a caracterização da destinação final se o
consumo for ditado não pela necessidade ou satisfação pessoal ou privada
(= final, portanto), mas pela necessidade profissional ou empresária (=
instrumental, apenas);
b) o conceito de consumidor deve ser permeado pelo critério
econômico
. Como anota José Geraldo Brito Filomeno (Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor
, Forense Universitária, 7ª ed., 2001, pp. 26-7):
O Conceito de Consumidor Direto e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direito e a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça.
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Consoante já salientado, o conceito de
consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de
caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração
tão-somente o personagem que no mercado de consumo
adquire bens ou então contrata a prestação de serviços,
como destinatário final, pressupondo-se que assim age com
vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não
para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.
c) a expressão “destinatário final” deve ser interpretada
restritivamente. Para se caracterizar consumidor, não basta ser o
adquirente ou utente destinatário final
fático do bem ou serviço: deve
também ser o seu destinatário final
econômico, isto é, a utilização deve
romper a atividade econômica com vistas ao atendimento de necessidade
privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no
processo produtivo, ainda que de forma indireta, como anota Maria
Antonieta Zanardo Donato (Proteção ao consumidor: conceito e extensão,
RT, 1993, pp. 90/91):
Destinatário final é aquele destinatário fático e
econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou
jurídica. Assim não basta ser destinatário fático do produto,
isto é, retirá-lo do ciclo produtivo. É necessário ser também
destinatário final econômico, ou seja, não adquiri-lo para
conferir-lhe utilização profissional, pois o produto seria
reconduzido para a obtenção de novos benefícios
econômicos (lucros) e que, cujo custo estaria sendo
indexado no preço final do profissional. Não se estaria, pois,
conferindo a esse ato de consumo a finalidade pretendida: a
destinação final.
Sustenta a Autora que todos os bens ou serviços adquiridos
por quem exerce atividade econômica, ainda que utilizados para a mera
incorporação no estabelecimento empresarial (presente a destinação final
fática, portanto), afastam a caracterização da relação de consumo,
porquanto estará sempre ausente a
destinação final econômica, dado que
o bem ou serviço continuará, de alguma forma, inserido no processo
produtivo (p. 84):
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É o que ocorre (...) quando uma empresa
adquire uma frota de veículos para realizar o transporte das
mercadorias produzidas. (...) a empresa, por sua vez, o
utilizará como instrumento de seu trabalho e indexará o seu
custo ao preço de seu produto final.
Claudia Lima Marques (
Contratos no Código de Defesa do
Consumidor
, RT, 3ª ed., pp. 145-6), ao narrar experiências ocorridas na
Bélgica, França e principalmente na Alemanha, endossa a teoria subjetiva
ou finalista, porque foca a proteção do consumidor destinatário final e
econômico; o verdadeiro consumidor, em detrimento da proteção das
empresas; falsas consumidoras, as quais devem utilizar os sistemas
protetivos de direito comum, civil ou comercial:
A doutrina belga (...) considera que só uma
definição subjetiva e restrita da pessoa do consumidor
permite identificar o grupo mais fraco na relação do
consumo, único que mereceria a tutela especial do direito.
Neste sentido, o necessário divisor de águas seria o fim de
lucro do profissional ao contratador, assim, no caso das
pessoas jurídicas, só aquelas sem fins lucrativos poderiam
ser assemelhadas a consumidores” e prossegue, ao analisar
os efeitos do alargamento da proteção do consumidor, na
Alemanha, às empresas: “O resultado deste alargamento do
campo de aplicação da lei foi decisivo e, hoje, mais de 50%
dos casos de aplicação da lei nos Tribunais referem-se a
litígios entre comerciantes, o que reduz o nível de proteção
concedido pela jurisprudência.
Esta teoria subjetiva ou finalista exposta, portanto,
considerando seus pressupostos, admite a tutela da pessoa jurídica como
consumidora, desde que destinatária final fática e econômica, e que
preencha os seguintes requisitos:
i) não detenha a pessoa jurídica intuito de lucro, isto é, não
exerça atividade econômica, o que ocorre com as associações, fundações,
entidades religiosas e partidos políticos; ou
ii) caso detenha a pessoa jurídica adquirente ou utente intuito
de lucro, duas circunstâncias, cumuladamente, devem estar presentes:
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(a) o produto ou serviço adquirido ou utilizado não possua qualquer
conexão, direta ou indireta, com a atividade econômica desenvolvida, e
(b) esteja demonstrada a sua vulnerabilidade ou hipossuficiência (fática,
jurídica ou técnica) perante o fornecedor.
A linha de precedentes adotada pela Quarta e Sexta Turmas
deste STJ coaduna-se com os pressupostos da teoria subjetiva ou
finalista, restringindo a exegese do art. 2º do CDC ao destinatário final
fático e também econômico do bem ou serviço:
1 - REsp nº. 218.505/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta
Turma, unânime, DJ 14/02/2000, o qual considerou
não ser a pessoa
jurídica “Moauto Veículos, Peças e Serviços Ltda”
destinatária final de
serviço de crédito tomado junto a instituição financeira, porquanto a
pessoa jurídica
“não utilizou o capital mutuado como destinatária final e,
sim, para emprego em finalidade gerencial, voltado ao fomento de sua
produção”
;
2 - REsp nº. 264.126/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta
Turma, unânime, DJ 27/08/2000, o qual considerou
não ser a pessoa
jurídica “Flash do Brasil Química Ltda”
destinatária final de serviço de
crédito tomado junto a instituição financeira, porquanto
“as sucessivas
operações celebradas entre as partes que terminaram por consolidar o
total do débito, agora representado pelo instrumento de confissão de
dívida acostado à peça exordial, denotam que o financiamento se deu
para fins de incrementação das atividades produtivas daquela empresa”;
e
3 - REsp nº. 475220/GO, Rel. Min. Paulo Medina, Sexta
Turma, unânime, DJ 15/09/2003, o qual considerou
não ser a pessoa
jurídica revendedora de produtos combustíveis destinatária final fática ou
econômica dos produtos fornecidos pelo distribuidor:
“o posto revendedor
de combustíveis não se enquadra dentro do conceito de consumidor final,
haja vista estar o contrato que celebrou com a Shell do Brasil diretamente
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vinculado à sua atividade lucrativa, motivo porque inaplicável, nas
relações que mantém entre si, o disposto no Código de Defesa do
Consumidor”.
2. A ESCOLA OBJETIVA
A segunda corrente, chamada de objetiva ou maximalista,
considera que a aquisição ou uso de bem ou serviço na condição de
destinatário final fático caracteriza a relação de consumo, por força do
elemento objetivo, qual seja, o
ato de consumo.
Não influi na definição de consumidor o uso privado ou
econômico-profissional do bem, porquanto quem adquire ou utiliza, bem
ou serviço, com vistas ao exercício de atividade econômica, sem que o
produto ou serviço integre diretamente o processo de produção,
transformação, montagem, beneficiamento ou revenda, o faz na condição
de destinatário final, ainda que meramente fático, o que caracteriza o
conceito de consumidor.
As conclusões adotadas pela teoria objetiva ou maximalista
estão calcadas nos seguintes pressupostos:
a) o conceito de consumidor direto, adotado pelo art. 2º do
CDC, é de índole objetiva, porquanto define o consumidor, tão-somente,
em atenção à destinação dada à fruição do bem ou serviço adquirido ou
utilizado, a qual deve ser
final, isto é, capaz de consumi-lo ou utilizá-lo de
forma a depreciar, invariavelmente, o seu valor como meio de troca.
Como assevera Fábio Ulhoa Coelho (
op. cit., p. 45), o conceito objetivo:
(...) enfatiza a posição de elo final da cadeia de
distribuição de riqueza. Nela, o aspecto ressaltado pelo
conceito jurídico é o do agente econômico que destrói o
valor de troca dos bens ou serviços, ao utilizá-los
diretamente (...) Entre as duas formulações, pende o direito
brasileiro para o conceito objetivo de consumidor.
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b) a demonstração de que o bem ou serviço foi adquirido ou
utilizado para a destinação final, ainda que meramente fática, preenche o
requisito necessário à definição de consumidor. Como ressaltam Arruda
Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins (Código do
Consumidor Comentado, RT, 2ª ed., 1995, pp. 18-31):
Procurou traçar o legislador, objetivamente, a
linha mestra do conceito de consumidor. Neste mister,
estabeleceu no artigo 2º deste Código que é consumidor
'toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final', ou seja, cuja aquisição se
insere no termo final dos quadros de um ciclo de produção.
(...). Logo a única característica restritiva seria a aquisição
ou utilização do bem como destinatário final. Assim, para o
art. 2º, o importante é a retirada do bem de mercado (ato
objetivo) sem se importar com o sujeito que adquire o bem,
profissional ou não (elemento subjetivo).
c) a finalidade a ser satisfeita pelo ato de consumo não
interfere na definição de relação de consumo, isto é, verificada a aquisição
ou utilização para a destinação final, pouco importa se a necessidade a ser
suprida com o consumo será de natureza pessoal ou profissional. Assim
apontam Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James
Marins (
op. cit., pp. 22-23):
De nossa parte, não podemos concordar com a
equiparação que se quer fazer de uso final com uso privado,
pois tal equiparação não está autorizada na lei e não cabe ao
intérprete restringir onde a norma não o faz.
Os quais ressaltam a possibilidade de a pessoa jurídica que
exerce empresa ser considerada consumidora (p. 29):
Assim, pode-se afirmar que em inúmeras
situações as empresas (de comércio ou de produção)
adquirem ou utilizam-se de produtos como 'destinatários
finais', quando então, dada a definição deste art. 2º,
recebem plenamente a proteção deste Código, na qualidade
de 'consumidor pessoa-jurídica'. A empresa que adquire, por
exemplo, um veículo para transporte de sua matéria-prima
ou de seus funcionários, certamente o faz na qualidade de
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adquirente e usuário final daquele produto, que não será
objeto de transformação, nem tampouco, nesta hipótese,
será implementado o veículo no objeto de produção da
empresa (aqui 'consumidor pessoa-jurídica'). O veículo
comprado atinge aí o seu ciclo final, encontrando na
empresa o seu 'destinatário final.
d) o uso profissional do bem ou serviço adquirido ou utilizado
pela pessoa jurídica que exerce atividade econômica apenas afastará a
existência de relação de consumo se tal bem ou serviço compor,
diretamente (revenda) ou por transformação, beneficiamento ou
montagem, o produto ou serviço a ser fornecido a terceiros, porquanto,
em tais hipóteses, a destinação não será final, mas apenas intermediária.
A respeito, anota João Batista de Almeida (
A proteção jurídica do
consumidor
, Saraiva, 3ª ed., 2002, p. 38):
É o caso das montadoras de automóveis, que
adquirem produtos para montagem e revenda (autopeças)
ao mesmo tempo em que adquirem produtos ou serviços
para consumo final (material de escritório, alimentação). O
destino final é, pois, a nota tipificadora do consumidor.
e) a pessoa jurídica que exerce atividade econômica será
consumidora sempre que o bem ou serviço for adquirido ou utilizado para
destinação final; desnecessária, na hipótese, a demonstração de ser, a
pessoa jurídica, parte vulnerável ou hipossuficiente (fático ou econômico,
técnico ou jurídico) perante o fornecedor. Anotam Arruda Alvim, Thereza
Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins (
op. cit., p. 23):
Da mesma forma, não se pode pretender limitar
a proteção do Código às pessoas jurídicas equiparadas ao
consumidor hipossuficiente, pois que em momento algum
condiciona o Código o conceito de consumidor à
hipossuficiência.
A linha de precedentes adotada pela Primeira e Terceira
Turmas deste STJ coaduna-se com os pressupostos da teoria objetiva (ou
maximalista), considerando-se consumidor o
destinatário final fático do
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bem ou serviço, ainda que venha a utilizá-lo no exercício de profissão ou
de empresa:
1 – REsp 208.793/MT, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, Terceira Turma, unânime, DJ 01/08/2000, o qual considerou
existir relação de consumo entre Fertiza Companhia Nacional de
Fertilizantes e Edis Fachin, por ser o agricultor destinatário final do adubo
que adquiriu e utilizou em sua lavoura:
“A meu sentir, esse cenário
mostra que o agricultor comprou o produto na qualidade de destinatário
final, ou seja, para utilizá-lo no preparo de sua terra, não sendo este
adubo objeto de nenhuma transformação”
;
2- REsp 329.587/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
Terceira Turma, unânime, DJ 24/06/2002, o qual considerou existir
relação de consumo entre a pessoa jurídica contratante do serviço de
transporte aéreo e a transportadora, tendo por objeto o transporte de lote
de peças de reposição de propriedade daquela;
3 – REsp 286.441/RS, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro, Rel.
p/ac. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, maioria, DJ
03/02/2003, o qual considerou existir relação de consumo entre Transroll
Navegação S/A e Outro e Faprol Indústria de Alimentos Ltda., por ser esta
adquirente e destinatária final do serviço de transporte marítimo prestado
por aquela, tendo por objeto o transporte internacional de coalho
alimentício em pó:
“No caso presente, a recorrente contratou o serviço da
transportadora, detentora do navio, encerrada a relação de consumo com
a efetivação do transporte. O que é feito com o produto transportado não
tem, a meu ver, peso algum na definição de quem foi o 'destinatário final'
do serviço de transporte
;
4 – REsp 488.274/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, unânime, DJ 23/06/2003, o qual considerou existir relação de
consumo entre PASTIFÍCIO SANTA AMÁLIA LTDA e BAAN BRASIL
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SISTEMAS DE INFORMÁTICA LTDA., porquanto aquela adquiriu, como
destinatária final, programas de computador distribuídos por esta, com o
intuito de melhor gerenciar o seu estoque de produtos:
“Extrai-se dos
autos que a recorrente é qualificada como destinatária final, já que se
dedica à produção de alimentos e que se utiliza dos serviços de software,
manutenção e suporte oferecidos pela recorrida, apenas para controle
interno de produção. Deve-se, portanto, distinguir os produtos adquiridos
pela empresa que são meros bens de utilização interna da empresa
daqueles que são, de fato, repassados aos consumidores”
;
5 – REsp 468.148/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, Terceira Turma, unânime, DJ 28/10/2003, o qual considerou ser
consumidora a pessoa jurídica SBC Serviços de Terraplanagem Ltda, ao
adquirir crédito bancário para a compra de tratores a serem utilizados em
sua atividade econômica;
6 – REsp 445.854/MS, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma,
unânime, DJ 19/12/2003, o qual considerou ser consumidor o agricultor
FRANCISCO JOÃO ANDRIGHETTO, ao adquirir crédito bancário para a
compra de colheitadeira a ser utilizada em sua atividade econômica;
7 – REsp 235.200/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, Terceira Turma, DJ 04/12/00, Resp 248424/RS, Rel. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 05/02/01 e Resp 263721/MA,
Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 09/04/01, os
quais reconheceram a existência de relação de consumo em contrato de
arrendamento mercantil, ainda que o arrendatário, pessoa jurídica ou não,
utilize o bem, como destinatário final, para o desenvolvimento de sua
atividade econômica; e
8 – REsp 263.229/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma,
unânime, DJ 09/04/2001, o qual considerou ser a pessoa jurídica
GOLFINHO AZUL INDÚSTRIA, COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO LTDA.
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consumidora dos serviços de fornecimento de água, prestados pela
SABESP, para a utilização em sua atividade econômica, a produção
pesqueira:
“A recorrente, na situação em exame, é considerada
consumidora porque não utiliza a água como produto a ser integrado em
qualquer processo de produção, transformação ou comercialização de
outro produto. O fornecimento de água é para o fim específico de ser
consumida pela empresa como destinatária final, utilizando-a para todos
os fins de limpeza, lavagem e necessidades humanas. O destino final do
ato de consumo está bem caracterizado, não se confundindo com
qualquer uso do produto para intermediação industrial ou comercial”
.
3. O STJ E A PREVALÊNCIA DA ESCOLA OBJETIVA
Assim delineadas as teses opostas, deve-se observar que a
teoria subjetiva parte de um
conceito econômico de consumidor, como
reconhecem os doutrinadores que a adotam, enquanto que a teoria
objetiva pressupõe
um conceito jurídico de consumidor, resultante de uma
exegese mais aderente ao comando legal positivado no art. 2º do CDC, o
qual considera consumidor o destinatário final de produto ou serviço
adquirido ou utilizado.
Neste contexto, verificada a fruição final do bem ou serviço, o
eventual uso profissional da utilidade produzida por pessoa jurídica com
intuito de lucro não descaracteriza, por si, a relação de consumo. Protege
a norma legal, assim, o destinatário final fático, entendido aquele que
retira o bem do ciclo econômico, consumindo-o ou utilizando-o de forma a
depreciar, invariavelmente, o seu valor como meio de troca.
Por fim, as ponderações anotadas pelos defensores da teoria
subjetiva, de que a utilização do CDC como instrumento de defesa de
pessoas jurídicas que exercem atividade econômica poderá implicar em
desvirtuamento do sistema protetivo eleito pelo Código, merecem em
parte acolhida na jurisprudência deste STJ, a qual, a despeito de não
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exigir, para fins de incidência do CDC, a prova de ser a pessoa jurídica
vulnerável ou hipossuficiente, afasta a caracterização da relação de
consumo se verificado o expressivo porte financeiro ou econômico:
i) da pessoa jurídica tida por consumidora;
ii) do contrato celebrado entre as partes; ou
iii) de outra circunstância capaz de afastar a hipossuficiência
econômica, jurídica ou técnica.
Cite-se, a respeito, precedentes que afastam a relação de
consumo na hipótese de aquisição, por pessoa jurídica ou não, de
equipamentos hospitalares de valor vultoso, o que afasta a vulnerabilidade
e a hipossuficiência dos adquirentes: CC 32.270/SP, Rel. Min. Ari
Pargendler, Segunda Seção, DJ 11/03/2002, AEResp 561.853/MG, Rel.
Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, unânime, DJ 24/05/2004,
REsp 519.946/SC, Rel. Min. César Asfor Rocha, Quarta Turma, unânime,
DJ 28/10/2003 e REsp 457.398/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
Quarta Turma, unânime, DJ 09/12/2002.
4. O CONFLITO DE COMPETÊNCIA 41.056/SP
Em precedente recente (Conflito de Competência nº
41.056/SP, julgado em 23/06/2004), a Segunda Seção do STJ acolheu,
por maioria, o conceito de consumidor direto eleito pela escola objetiva.
No processo em análise, a Farmácia Vital Brasil Ltda. celebrou
contrato de prestação de serviço de pagamento por meio de cartão de
crédito com Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, no qual
constou cláusula de eleição de foro para solucionar conflito havido entre
as partes contratantes.
Ao suscitar o presente Conflito, o Juiz paulista fundamentou a
sua incompetência na relação de consumo existente entre as partes e, por
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isso, invalidou a cláusula de eleição de foro, declinando da sua
competência para o foro da sede da Farmácia Vital Brasil Ltda, localizada
no Rio de Janeiro-RJ.
O i. Relator, Ministro Aldir Passarinho Junior, declarou a
competência do Juiz paulista, ao fundamento de não existir relação de
consumo na hipótese:
De efeito, tenho que se cuida de mera relação
comercial entre as partes, mas não caracterizada em
contrato de prestação de serviços, nem, tão pouco, situação
de consumidor pela farmácia. Consumidor seria, na verdade,
o cliente desta.
Em voto-vista, considerei que a adoção da teoria objetiva na
hipótese, aplicada com os contornos indicados pela jurisprudência do STJ,
melhor responde à intenção exposta pelo legislador e redigida no § 2º do
art. 3 do CDC, porquanto:
a) trata-se de pessoa jurídica que, para viabilizar sua atividade
de revenda de medicamentos, adequando-se à moderna sistemática de
pagamentos empregada pelos consumidores, utiliza o maquinário cedido
e o serviço de crédito, no caso, sob julgamento prestado pela Companhia
Brasileira de Meios de Pagamento, por meio do sistema Visanet de
vendas a crédito ou pagamento à vista por meio eletrônico, vindo suprir
necessidade inerente ao desempenho de sua atividade comercial, que é a
venda de medicamentos;
b) infere-se do desdobramento dos atos de comércio que a
Farmácia Vital do Brasil Ltda. é destinatária final fática, porque utiliza o
serviço de crédito como usuária final, salientando que dito serviço não
compõe, quer por transformação, beneficiamento ou montagem, o serviço
que presta, que é estritamente a venda de medicamentos;
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c) a configuração do consumo final fica ainda mais evidenciada
porque é a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento quem efetua o
pagamento das faturas diretamente à Farmácia, isto por força do contrato
de cartão de crédito que mantém com os usuários do seu cartão e, no
caso, consumidores dos medicamentos. É importante gizar que o crédito
aos clientes-consumidores da Farmácia Vital Brasil Ltda. é fornecido pela
Administradora de cartão de crédito, porque com eles mantém contrato de
cartão de crédito;
d) como se depreende do caso, a Farmácia, no exercício da
atividade comercial de venda de medicamentos, é destinatária final do
serviço de crédito cujo contrato mantém com a administradora de cartão
de crédito, com o fim de implementar a mercancia nos moldes modernos,
e que jamais será objeto de transformação ou integração no objeto de
comércio da empresa;
e) comerciar usando o sistema de pagamento por meio de
cartão de crédito nada mais é do que uma necessidade de todos os
comerciantes para implementar melhor desempenho à atividade
empresária, como decorrência da exigência do mundo contemporâneo,
adicionando-se o inafastável aspecto da globalização. Tais instrumentos
são tão imprescindíveis como os demais utensílios do estabelecimento
empresarial, tais como os móveis, a energia elétrica, os computadores, os
avançados programas de computação, etc...;
f) de acordo com a jurisprudência dessa Corte, acresça-se o
fato de que a pessoa jurídica consumidora e o contrato firmado não
possuem porte econômico ou financeiro expressivos. Nesse particular
componente formador da jurisprudência, creio, respeitosamente, que cabe
uma reflexão acerca dos limites ou abrangência do conceito de
hipossuficiência. Tenho que a hipossuficiência não se define tão-somente
pela capacidade econômica, nível de informação/cultura ou valor do
O Conceito de Consumidor Direto e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direito e a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça.
Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, p. 1-
11, maio/ago. 2004.
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contrato em exame. Todos esses elementos podem estar presentes e o
comprador ainda ser hipossuficiente pela dependência do produto; pela
natureza adesiva do contrato imposto; pelo monopólio da produção do
bem ou sua qualidade insuperável; pela extremada necessidade do bem
ou serviço; pelas exigências da modernidade atinentes à atividade, por
exemplo, de trabalhar com o sistema de pagamento via cartão de crédito,
etc. Assim, tão-somente, ser ou não o contrato monetariamente
expressivo, ou terem as partes avultada capacidade econômica, não têm o
condão de impedir ou justificar a hipossuficiência;
g) há ainda a observação da hipossuficiência sob o prisma
processual, cujo matiz se distancia e desvincula ainda mais do aspecto
econômico-financeiro, para delimitá-la dentro da capacidade probatória.
Assim, considero insuficiente — em face do raciocínio desenvolvido para a
fixação da competência — a questão da hipossuficiência fundada no
inexpressivo valor do contrato de crédito existente entre as partes
contratantes, para apenas considerar que a Farmácia Vital Brasil Ltda. é
destinatária final do serviço de crédito e que, portanto, é o CDC que rege
a relação negocial entre as partes; conseqüentemente é de se reconhecer
e declarar, por força do caráter adesivo, a invalidade da cláusula
contratual de foro de eleição, para privilegiar o foro do consumidor,
atendendo aos ditames e objetivo do CDC expressados nos direitos
básicos do consumidor, conforme dita o inc. VIII ao art. 6º.
Com essas considerações, a Segunda Seção do STJ, por
maioria de votos, anotou a existência da relação de consumo na hipótese,
para acolher a escola objetiva com os contornos indicados, afastar a
cláusula de eleição de foro e assim declarar a competência do Juiz carioca.

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