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terça-feira, 30 de agosto de 2016

BIBLIOGRAFIAS DISPUTE BOARD


BIBLIOGRAFIAS DISPUTE BOARD
GECMA – UNIVALI
PROF. QUEILA MARTINS

Queila Jaqueline Nunes Martins
Especial para a RCSC - Revista Catarinense de Solução de Conflitos
4 de abril de 2016

CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL DE LONGA DURAÇÃO: A DISPUTE BOARD COMO MÉTODO DE PREVENÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS


Uma das ideias mais interessantes ao se estudar contratos é aquela que nos faz compreender que o contrato não é um mero documento assinado entre as partes. O contrato tem vida, se desenvolve em um contexto social, econômico e histórico que vai se modificando no decurso do tempo. Um contrato que tem previsão - por exemplo - de se desenvolver em um prazo de 36 meses, está sujeito a uma história a ser vivida de 36 meses. Se pensarmos em nossas vidas, quantas coisas fazemos no decurso de 36 meses? Podemos casar, nos mudar de cidade e até de país, ter um filho, mudar de emprego, entre outras coisas que a vida pode nos desafiar. Porque o desenvolvimento de um contrato seria diferente? Nenhum instrumento contratual - por mais bem elaborado que seja - pode prever todas as circunstâncias da vida e todos os cenários possíveis para o futuro. Não se pode prever com certeza uma crise mundial, uma guerra, uma tragédia, uma falência, uma morte, uma mudança de gestão em uma empresa, uma enchente, um raio, ou um desentendimento. São apenas exemplos de situações que podem ocorrer e que - mesmo que previstas genericamente em cláusulas contratuais - os seus efeitos, os resultados e conseqüências que podem gerar, por vezes, transpassam - e muito - qualquer previsão contratual. 

Na construção civil, obras de infraestrutura de grande porte são desenvolvidas no decurso de vários anos. São exemplo disso a construção de portos, pontes, aeroportos, estradas, hidroelétricas, túneis, e obras pesadas, estando tipicamente enquadradas neste caso as edificações industriais. O projeto, a execução e o acompanhamento de tais obras requererem expertise específica  em temas como resistência de materiais, tecnologia dos materiais construtivos, mecânica dos sólidos e solos, geotecnia, cálculos estruturais e técnicas de construção. Também requerem conhecimento de áreas de gestão de pessoas e finanças. É necessário atender, ainda, às legislações ambientais e de limitação do direito de propriedade, previstas em regulamentos específicos dos órgãos públicos reguladores, autorizadores e fiscalizadores de tais construções.

Portanto, a construção de obras de grande porte impõe a necessária interdisciplinaridade entre as áreas da engenharia, administração, economia, finanças, contabilidade, direito, entre outras. E, por envolverem tantas áreas do conhecimento, certamente envolvem um grande número de pessoas que administram, executam tarefas e decidem os destinos da obra. Neste contexto de desenvolvimento da obra, além da contingência natural do decurso do tempo, a racionalidade humana certamente envolverá discussões, divergências, dúvidas e conflitos.

Foi em um desses casos de conflito, pelos idos de 1960, que os americanos previram um método de solução de controvérsias para obras de engenharia: a Dispute Board. O conceito de Dispute Board surgiu de um Comitê Consultivo formado por quatro pessoas no projeto Boundary Dam, no Estado de Washington[1], cujos técnicos foram acionados para tomar decisões atinentes aos conflitos e às matérias correlatas. A ideia funcionou bem e o embrião da Dispute Board estava formado e começou a crescer. Para a Engenharia, Dispute Board é um comitê formado por profissionais experientes e imparciais, contratados antes do início de um projeto de construção para acompanhar o progresso da execução da obra, encorajando as partes a evitar disputas e assistindo-as na solução daquelas que não puderem ser evitadas, visando a sua solução definitiva[2]Também existem casos e perspectivas de Dispute Board relatados na América Latina, conforme destaca Roberto Hernandéz García, em importante coletânea produzida como relatório de experiências.[3]

Bastante comuns nos EUA, os DBs apresentam algumas vantagens[4]: são compostos de profissionais experientes e conhecedores do tipo de obra em questão; esses profissionais visitam a obra periodicamente (a cada 90 ou 120 dias) e, portanto, têm mais chance de agir preventivamente do que quando consultores e advogados são chamados para remediar um conflito já deflagrado; os membros do Dispute Board interagem continuamente com as equipes do contratante e do contratado, criando um ambiente positivo de colaboração; o custo de um Dispute Board é baixíssimo quando comparado a uma arbitragem ou a um processo judicial; as soluções alcançadas são geralmente mais justas do que as emanadas de outras formas de julgamento. A composição mais comum de um Dispute Board é um advogado e dois engenheiros. A razão para essa composição mista é dotar o Dispute Board de capacidade técnica e jurídica, o que facilita o entendimento das questões de campo e as particularidades contratuais. Tal possibilidade já é bastante utilizada pelo mundo, a exemplo do que ocorreu com o Projeto de Energia Elétrica do Centroamericano de Istmo, em Honduras, o alargamento do Canal do Panamá[5] e o Projeto de Twin Tunnels da Linha de Metrô Sheppard, no Canadá[6], casos práticos bem detalhados em interessante artigo de Ribeiro e Almeida[7].

Um conflito não resolvido, ou mal resolvido, pode gerar rapidamente prejuízos financeiros, abalos anímicos, prejuízos sociais e rupturas entre famílias. E não raras as vezes as partes invocam a exceção do inadimplemento como forma de resolução, sendo que tal procedimento não é suficiente para efetivamente pôr fim ao litígio. Ao contrário, muitas vezes a situação se agrava e os conflitos se estendem por anos, causando prejuízos de toda ordem. Neste cenário, podemos vislumbrar casos concretos em relações de direito público, por exemplo, onde vemos obras públicas fantasmas, obras públicas abandonadas, dinheiro público envolvido advindo de uma população que se sacrifica para pagamento de impostos e vê todo o empenho de receitas e despesas do Estado escorrerem pelos ralos dos embates jurídicos que se estendem no decurso dos anos, sem solução. Muitas vezes os prejuízos são de difícil reparação e outros são, ainda, irreparáveis. Na seara das relações privadas não é diferente. Pensemos em containers parados em portos (gerando prejuízos diários de milhões e bilhões de reais e também em dólares), assim como, construções de grande vulto que aguardam decisões judiciais para seu deslinde, ou ainda, perícias que chegam levar de 2 a 3 anos para se finalizarem, enquanto moradores de edifícios sofrem com vazamentos nas obras, problemas em encanamentos, áreas de lazer que não são terminadas, brigas de vizinhos, brigas em inventários e partilhas, entre outros processos que poderíamos mencionar a título de exemplo.

Tão grave quanto isto, é o contexto de Insegurança Jurídica que se instala no Brasil, denotado pelos indicadores que medem o nível de desconfiança do mercado mundial em nossos negócios. O descumprimento de obrigações recíprocas pela ausência ou carência de entendimento entre os negociantes reduz a confiabilidade dos negócios no País e prejudica a economia em geral. Nesse aspecto, as soluções de Direito tradicionais não conseguem dar respostas céleres a uma sociedade complexa. Pois que, para a resolução de problemas jurídicos complexos em sociedades que trafegam sua economia em espaços transnacionais, é necessário trazer à aplicação os chamados meios mais adequados de resolução de controvérsias, tais como a conciliação, a mediação, a arbitragem e o Dispute Board. Estes métodos possibilitam aos envolvidos no conflito a escolha de soluções mais adequadas e a construção conjunta de estratégias e possibilidades de finalização de uma controvérsia. Essencialmente, são meios mais céleres, os quais, face a esta característica, podem ser mais eficientes para a construção de soluções aos problemas econômicos que dependam do Direito.

Segundo o Programa de Negociação[8] de Harvard, os conflitos se tornam insanáveis (…) when two people or organizations try to resolve a dispute by determining who is right, they get stuck. Thats why so many disputes end up in court[9]. Ou seja: quando as tentativas e o norte dos diálogos são voltados para a descoberta de quem possui ou não razão, o caminho certeiro, ao final do processo, será a promoção de ações judiciais.

O professor Francisco José Cahali[10], no mesmo sentido, se manifesta:

Na verdade, quer nos parecer que as pessoas, de um modo geral, perderam a capacidade de superar as suas adversidades, acomodando-se na entrega de seus litígios para serem resolvidos por um terceiro: a cultura do litígio, bem presente na sociedade contemporânea.

É por tudo isso que sustentamos que a inclusão da Cláusula Dispute Board nos procedimentos negociais de longa duração - permitindo a instalação da Junta de Resolução de Conflitos desde a assinatura do contrato até a finalização de sua execução - pode contribuir para a prevenção de conflitos e, caso instalados, a sua solução. Este método precisa ser melhor estudado e difundido no Brasil, pois colabora com os meios extrajudiciais de solução de conflitos, contribuindo para a construção de um novo paradigma que vem sendo desenhado na Ciência Jurídica no momento histórico atual, que é a Cultura do Consenso, a qual está sendo realizada a partir de um aprimoramento cultural e social, fundamentado em teorias negociais mais pacíficas, diplomáticas e de melhores resultados econômicos.

BIBLIOGRAFIAS


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[2] MATOS, Aldo Doréa. A utilidade de Dispute Boards na construção. Instituo de Engenharia de São Paulo. Disponível em http://blogs.pini.com.br/posts/Engenharia-custos/a-utilidade-de-dispute-boards-na-construcao-317035-1.aspx. Acesso em 16/08/2015.
[3] GARCÍA, Roberto Hernandéz. Dispute Board en Latinoamérica: experiencias y retos. Lima: Estudio Mario Castillo Freyre, 2014. Disponível em http://www.castillofreyre.com/archivos/pdfs/vol23.pdf. Acesso em 20/08/2015.
[4] ARAÚJO, Fernando. Teoria Econômica do Contrato. Lisboa: Almedina, 2007. p. 151.
[5] ARIAS, Fernando; AUED, Fernando. Panamas ADR Push. In: The 2011 guide to litigation&dispute resolution. International Financial Law Review. Disponível em: http://www.arifa.com/acesso em 15/08/2015.
[6] MALLOT, Murray. Sheppard Subway Twin Tunnels Project. In: Rapid excavation and tunneling conference proceedings, 1999; MCENIRY, Geral. Its time for more DRBs in Canada. In: The Revay Report, vol. 29, number 2, june 2010.
[7] RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; ALMEIDA Caroline Sampaio. Análise crítica das cláusulas dispute board: eficiência e casos práticos. Revista NEJ – eletrônica, vol. 18, n. 2, p. 224-239, maio-agosto 2013. P. 224/239.
[8] Program on Negotiation of Harvard Law School. Arbitration vs Mediation and the Conflict Resolution Process in Alternative Dispute Resolution (ADR). 2011. Disponível em: <http://www.pon.harvard.edu/daily/conflict-resolution/mediation-and-conflict-resolution/>. Acesso em 26/08/2015.
[9] (...) quando duas pessoas ou organizações tentam resolver a disputa através da definição de quem está certo, eles ficam presos. É por isso que muitas disputas acabam na Corte (tradução livre da Autora).
[10] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação, conciliação, Resolução CNJ 125/2010. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 27.

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