Conselho de um Advogado a um jovem Juiz:
Refletindo a respeito de algo que me solicitou uma querida colega de faculdade, ilustre professora universitária e eminente magistrada, sobre que conselhos eu daria a um jovem juiz. Ela me pediu 3 linhas apenas. E eu escrevi 4 páginas com 129 linhas. O fiz no espírito de pontuar algumas coisas que meus 45 anos de idade, 22 anos de foro advocatício e 26 de estudo do direito, um pouco autorizam que eu diga. Ou apenas me iludem que eu possa isso dizer à intersubjetividade crítica de advogados, juízes e demais atores processuais e cidadãos em geral.
- Estude com mente aberta: estude sempre e muito. O seu esforço do concurso e o da faculdade são apenas iniciais. Tanto doutrina quanto a jurisprudência demandarão sua atenção. Especialmente a primeira, que lhe deve, com o tempo, dar maturidade intelectual e liberdade de pensamento no Direito, livrando-te do engessamento da segunda. Não leia apenas sobre Direito. Isso te empobrecerá o conhecimento e o espírito. Veja bons filmes, históricos e políticos, sobretudo. Amplie sua visão da humanidade. Leia com certa imersão algo de história, filosofia, sociologia, psicologia, etc. Desenvolva a capacidade de se apaixonar pela aquisição de saberes. E estude com cuidado os autos, e as razões dos advogados especialmente, pois sem eles estarás sozinho na caminhada de fazer justiça. Não leia somente a contestação; dê atenta atenção às alegações finais e a tudo quanto produzido. Ou seja, lei com atenção o que os advogados produziram e demonstre isso com cuidado em seus escritos. Não se iluda ao achar por que são pagos por fontes privadas serão menos confiáveis do que o Promotor de Justiça. O que distingue um homem é o seu caráter, não o posto que ocupa ou a fonte pública ou privada de suas rendas. Reflita sobre o mito equívoco, reproduzido como um mantra, sem a menor reflexão: “o juiz não está obrigado a decidir sobre todos os pontos levantados pelas partes”.
- Sirva com espírito republico: você ocupa um dos postos mais importantes da República, o de juiz. Querendo ou não, decide destinos, vidas, as tristezas e alegrias de muita gente. Mas é servidor público. És pago para servir, com independência e austeridade. Mas isso não é incompatível com a humildade, com o respeito ao outro, com a noção de que o teu dever de urbanidade, quando cumprido, alimenta o desejo de civilidade de todos os demais. Um juiz arrogante ou prepotente atinge negativamente a imagem que o público tem da magistratura e atrapalha o processo de distribuição da justiça. Inibe a atuação dos inexperientes advogados e estressa os mais velhos, fazendo com que tudo seja mais difícil e custoso no foro. Trate bem a todos, principalmente os humildes cidadãos e os inexperientes advogados, e aqueles com quem tratas dia-a-dia no foro: o servidor da justiça.
- Se dispa de preconceitos: todos temos preconceitos. O mais importante não é não tê-los, mas como lidamos com eles e como essa lida afeta nossos afazeres. Imparcial e nobre é o juiz que tendo experiências anteriores negativas ou pré-concepções sobre determinado assunto ou pessoas, ao julgá-los se atém a lei e as provas dos autos, tratando todos com igualdade e respeito. Imparcial e nobre aquele que procura policiar sempre seus sentimentos e tendências que podem comprometer a imparcialidade de seus julgamentos, não esquecendo que neutralidade é uma coisa, imparcialidade, outra.
- Valorizar alegalidade e a separação de poderes: vivemos tempos para se comemorar conquistas democráticas e se refletir como estamos tratando essas mesmas conquistas. Há uma tendência crescente, no meio jurídico, alimentada nas faculdades de direito, e em alguns setores da magistratura, “de se atribuir” à democracia representativa déficits democráticos. Em face disso se empregam hermenêuticas e posturas interpretativas que depreciam autoridades ligadas aos outros poderes, fazendo o judiciário órgão “disciplinar” dos demais. E às vezes mesmo legislador “ultra vires”. E se cultiva a ideia, frágil e periclitante, de que o Judiciário é o lugar para o melhor atendimento dos anseios populares, e não mais os parlamentos ou administração pública, atribuindo a si mesmo o protagonismo na distribuição e realização de políticas públicas. O ponto merece grande reflexão. Cada um dos poderes tem o seu papel. Releituras das leis pelo judiciário não se podem dar por que não atendem o “anseio de justiça do juiz”. Se o juiz desaplicar a lei só o poderá fazer com base em inconstitucionalidade patente da norma, mas não por que desaprova o querer do legislador. Cuidado, neste norte, com o manejo irracional e ametódico da teoria dos princípios, em uso excessivo da chamada proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e outras normas para se chegar a quaisquer decisões que desatendam regras legais ou mesmo constitucionais ao argumento de se fazer cumprir princípios. Esses não podem instituir insegurança jurídica e o magistrado não pode ser o cavaleiro desta.
- Seja “juiz juiz”, não “juiz delegado” ou “juiz promotor”: há magistrado que pelo preconceito contra os demais atores processuais, por receio da opinião pública, por não querer se indispor com o “colega promotor”, ou por puro comodismo de não querer pensar com suas próprias forças, acaba sempre deferindo, homologando ou apenas por citação “per relationem” concordando com o que diz a acusação (criminal, cível ou eleitoral), não dando a mínima para o que produziu o lado oposto ao MP. Em audiência, deferem todos os pedidos do “parquet”, rechaçando, prontamente, manifestações da defesa. Ao indagar as partes e as testemunhas, agem como delegados raivosos, ou promotores obstinados, demonstrando uma inclinação acusatória completamente inadequada para o posto que ocupa e para o concurso a que prestou. Reflita sobre isso e fuja dessas tendências que maculam a independência da magistratura e as exigências de imparcialidade e austeridade que asociedade esclarecida em geral espera da magistratura. Haja sempre com igualdade de tratamento a todos os atores processuais. Seja sim um homem inclinado a defender a constituição e seu sistema de garantias, assim como a independência da magistratura diante de todos os poderes e das próprias inclinações acusatórias de nossos espíritos. Ouça a todos com igual atenção e cuidado, não esquecendo que o processo é um cadinho de paixões, que a muitos cega, e desta cegueira, ninguém está livre de a experimentar - mesmo o magistrado. Não se deixe levar “pelo politicamente correto”, “pelo moralmente apreciável”, quando esses se contrapuserem ao “juridicamente adequado” e ao “constitucionalmente sustentável”. Fuja dos moralismos jurídicos em geral – eles ressuscitam Robespierre e a era do terror.
- Não receie a opinião pública, decida com a sua consciência: triste são os homens que para decidir esquecem de princípios ou regras, e apenas seguem o curso da cambiante e irrefletida opinião pública, às vezes guiada por uma mídia sensacionalista e irresponsável. Se isso é triste para qualquer homem, o que haveremos de dizer para o magistrado que assim porta-se em seu ofício público. Os predicados de inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos são justamente o que distingue a movibilidade, transitoriedade dos mandatos populares, que precisam da homologação constante da opinião pública para que parlamentares e chefes de executivo sigam seus cursos de vida institucional. Decida tendo em conta padrões de legalidade e de devido processo legal, e não por razões de conveniência e oportunidade, próprios e adequados à cena política em geral. Nunca esqueça que fazer cumprir a lei não é algo simpático e nunca agradará a todos. Sua função não é a de agradar, cativar e captar índices elevados de ibope. Sua função é de decidir segundo critérios pré-estabelecidos pelo direito, segundo dados objetivos que podem ser extraídos do universo das provas e do processo – universo nem sempre certo, que, todavia, não pode ter sua incerteza ampliada pela falta de independência do juiz.
- Trate bem aos advogados, como gostaria de ser tratado se advogado fosses: nunca esqueça que o advogado é seu companheiro de lutas no campo de batalha pela justiça, assim como o promotor o é, e os demais operadores do direito com função processual (servidores, membros da polícia judiciária, peritos, etc.). Ele tem o dever de parcialidade e tu o de imparcialidade. Esses deveres não são contrapostos. O primeiro ajuda a sustentar a tua imparcialidade, já que assim como o MP, as partes defendem uma “parcela” do mosaico da verdade, que deverás procurar com seriedade e desvelo no cadinho do processo. Quanto mais jovem e inexperiente o advogado, especialmente a medida que fores ficando maduro, trate-o com consideração. Ele se inicia na caminhada do direito contigo. Elogie, com sinceridade, um trabalho por ele feito, verbalmente ou por escrito. Se quiser criticá-lo, o faça com discrição. Se por escrito, com elegância. Se ele te faltar a urbanidade, seja com ele enérgico, mais não grosseiro ou autoritário. Não pessoalize o discurso no processo; não faça da audiência um ringue de disputas; e se assim ela se tornar, seja o juiz da luta, não o outro combatente... prestigie sempre a todos nos atos processuais. Olhe nos olhos dos advogados. Dê-lhes atenção. Ao fixar honorários, não pense no que ganhas ou no que ganharás até o final de sua carreira. Pense que são profissões distintas, com dificuldades distintas, e que a escolha do serviço público tem seus ônus e bônus, e não queira ficar distribuindo ônus sem fundamento e nem negar injustamente devidos bônus aquém os mereça por lei e por direito.
Florianópolis, SC, 11 de fevereiro de 2013.
Ruy Samuel Espíndola,
OAB/SC 9189