Pesquisar este blog

terça-feira, 27 de outubro de 2009

PARABÉNS MENINAS!!

Boa tarde!!
Quero parabenizar minhas orientandas Michele e Nina pelas excelentes monografias entregues no NPJ!!
Vocês me surpreenderam e foram muito além das minhas expectativas!!
Estou muito feliz...
Um abraço no coração,
Prof. Queila.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

SUCESSÃO NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL

Boa noite!!

Mais um interessante artigo sobre sucessão no casamento e união estável. Só clicar!!

Abraços,

Prof. Queila.

http://protocolojuridico.com.br/documentos/75621.pdf

SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL

Oi amigos(as)!!

Segue interessante matéria sobre a sucessão na união estável. É só clicar!!

Abraços,


http://www.jfpb.gov.br/esmafe/Pdf_Doutrina/Uni%C3%A3o%20Est%C3%A1vel%20e%20o%20Direito%20Sucess%C3%B3rio%20%20corrigido.pdf

VÍNCULO SOCIOAFETIVO PREVALECE SOBRE VÍNCULO BIOLÓGICO

Oi queridos(as)!!
Essa é especial para meus alunos de Direito de Família!!
O STJ decidiu que em pedido de desconstituição de paternidade, vínculo socioafetivo prevalece sobre verdade biológica .
Boa leitura!!

A Terceira Turma do STJ negou o pedido de anulação de registro civil de W.G.G.H., formulado sob a alegação de que o reconhecimento da paternidade deu-se por erro essencial. Os ministros entenderam que admitir, no caso, a prevalência do vínculo biológico sobre o afetivo, quando aquele se mostrou sem influência para o reconhecimento voluntário da paternidade, seria, por via transversa, permitir a revogação do estado de filiação. A decisão foi unânime.
No caso, M.C.H. propôs a ação negatória de paternidade cumulada com retificação do registro civil tendo por propósito a desconstituição do vínculo de paternidade em relação a W.G.G.H. Segundo ele, o reconhecimento da paternidade aconteceu diante da pressão psicológica exercida pela mãe do então menor.
Ainda de acordo com a defesa de M.C.H., após aproximadamente 22 anos do nascimento é que W.G.G.H. foi registrado. Porém, por remanescer dúvidas quanto à paternidade, o pai procedeu a um exame de DNA que revelou não ser ele o pai biológico, razão pela qual pediu a anulação do registro.
Na contestação, W.G.G.H sustentou que o vínculo afetivo, baseado no suporte emocional, financeiro e educacional a ele conferido, estabelecido em data há muito anterior ao próprio registro, deve prevalecer sobre o vínculo biológico. Refutou, também, a alegação de que M.C.H teria incorrido em erro essencial, na medida em que levou aproximadamente 22 anos para reconhecer a filiação, não havendo falar em pressão psicológica exercida por sua mãe.
Em primeira instância, o pedido foi negado. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul manteve a sentença considerando que, “se o genitor após um grande lapso temporal, entre o nascimento do filho e o reconhecimento da paternidade, entendeu por bem reconhecer a paternidade, esse ato é irrevogável e irretratável, pois deve prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica”.
No STJ, M.C.H. afirmou que a verdade fictícia não pode prevalecer sobre a verdade real, na medida em que há provas nos autos do processo (exame de DNA) de que não é o pai biológico.
Para o relator do processo, ministro Massami Uyeda, a ausência de vínculo biológico entre o pai registral e o filho registrado, por si só, não tem, como quer fazer crer M.C.H., o condão de tachar de nulidade a filiação constante no registro civil, principalmente se existente, entre aqueles, liame de afetividade.
O ministro destacou que a alegada dúvida sobre a verdade biológica, ainda que não absolutamente dissipada, mostrou-se irrelevante para que M.C.H., incentivado, segundo relata, pela própria família, procedesse ao reconhecimento de W.G.G.H.como sendo seu filho, oportunidade em que o vínculo afetivo há muito encontrava-se estabelecido.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

MONOGRAFIAS

Bom dia orientandos(as)!!
Tenho à disposição de vocês o modelo para formatação das monografias.
Quem necessitar do arquivo, solicita no email correiomartins@gmail.com.
Segue abaixo algumas orientações para digitação da monografia.
Um abraço e bom trabalho!!
Prof. Queila.
____________________________________________________________
INSTRUÇÕES PARA DIGITAR A MONOGRAFIA

1. Tipo de papel: A-4 [21 x 29,7 cm] para impressão em uma só face.
2. Cor da impressão: preta.
3. Tipo e corpo da fonte: Arial 12 para o texto, 11 para citação longa e 10 para notas de roda-pé e n. de página.
4. Margens: Superior e esquerda - 3,0 cm; inferior e direita – 2,0 cm.
5. Espaçamento entre linhas:
a) 1,5 para o texto;
b) 1,0 para citações longas [com mais de três linhas];
c) 1,00 para o cabeçalho da capa e da folha de rosto;
d) 1,00 para as notas de rodapé;
e) 1,00 para as referências das fontes citadas [ex ref. bibliográficas]. Parágrafo com 12 pt depois.
5.1 Ao formatar o parágrafo de texto, use alinhamento justificado, recuo especial de primeira linha de 4,0 cm, 0 (zero) pt antes e 12 pt depois, espaçamento entre linhas de 1,5 cm. A fonte é arial 12
5.2 Ao formatar as notas de rodapé, use alinhamento justificado, recuo especial - deslocamento de 0,3 cm, 0 (zero) pt antes e 6 pt depois, espaçamento entre linhas de 1,0 cm [simples]. A fonte é arial 10. Lembre-se de configurar o n. de página – arial 10.
5.3 Ao formatar os parágrafos de citação direta longa, use alinhamento justificado, recuo esquerdo de 4 cm, 12 pt antes e 18 pt depois, espaçamento entre linhas de 1,0 cm [simples]. A fonte é arial 11.
5.4 Para o resumo use espaço simples, sem recuo de primeira linha. Após indique palavras-chave, separadas por ponto [no máximo seis]. Ex. Palavras-chave: Monografia. Metodologia. Formatação de texto.
6. Divisão do trabalho:
CAPÍTULO 1 [maiúsculas, fonte 16, negrito, centralizado],
SUBCAPÍTULO [maiúsculas - negrito, fonte 14, centralizado],
1.1 TÍTULO [maiúsculas, negrito, fonte 12, na margem esquerda],
1.1.1 Subtítulo do capítulo [minúsculas, negrito, fonte 12, na margem esquerda],
1.1.1.1 Divisão quartenária [minúscula, negrito e itálica, fonte12, na margem esquerda]
1.1.1.1.1 Divisão quinária [minúsculas, sublinhado, fonte 12, na margem esquerda].
Considerações finais, Referências bibliográficas e anexos: maiúsculas, negrito, fonte 14, centralizado.
6.1 Os números são separados dos títulos e subtítulos apenas por um espaço.
7. Forma verbal - use a terceira pessoa do singular, com a partícula apassivadora “se”.
8. Quantidade de páginas da monografia: de 60 a 100 [conta introdução, desenvolvimento e considerações finais].
9. Referências de autor use o sistema numérico.
9.1 As notas de rodapé devem ser usadas apenas para indicação da referência de fonte.
9.2 A primeira referência de uma obra é sempre completa, a partir da segunda, basta indicar o nome do autor, o título da obra e o número da página.
9.3 A nota é inserida logo após o nome do autor, e caso este não apareça no seu texto, após a citação.
10.Numeração das folhas:
a) a capa não numera e não conta (zero);
b) a contagem inicia na folha de rosto e segue contínua até o final do trabalho;
c) A numeração é feita com algarismos arábicos [1,2,3], que aparecem somente nas folhas de texto, alinhados a direita com fonte 10, assim sendo, a numeração aparece somente a partir da Introdução. Não inicia em 1 (um) é contínuo.
11.Citação longa:
a) Mais de três linhas. Recuo à esquerda de quatro centímetros. Espaçamento entre linhas de 1,0. Fonte 11.
b) Quando da citação de artigo de lei na forma de citação longa, a numeração do artigo deve ser em negrito.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

SOCIOLOGIA POLÍTICA - CARLOS EDUARDO SELL

Olá.
Segue uma resenha do livro Introdução à Sociologia Política: Sociedade e Política na Segunda Modernidade, escrito pelo Prof. Dr. Carlos Eduardo Sell (UFSC). A resenha foi publicada pelo Prof. Dr. Paulo Krischke (UFSC). Vale a pena adquirir esta obra!!
Queila Martins.
É só clicar no link abaixo:
___________________________________________________________________


LEGALIDADE E DIREITO

Oi amigos(as).

Segue mais um texto interessante para reflexão.

Um abraço,

Queila Martins.

________________________________________

Kriterion: Revista de Filosofia
Print ISSN 0100-512X
Kriterion vol.45 no.109 Belo Horizonte Jan./June 2004
doi: 10.1590/S0100-512X2004000100004
ARTIGOS

A legalidade como forma de Estado de direito1


Delamar José Volpato Dutra
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina


RESUMO
O presente estudo visa a demonstrar que o Estado legal, assim como concebido por Weber e Kelsen, não pode ser identificado com o Estado de direito, mesmo que a legalidade seja uma condição necessária deste. Isso acontece porque a legalidade não é uma condição suficiente do Estado de direito em razão de não resolver adequadamente o que Habermas nοmeia de dialética entre igualdade de fato e de direito. O texto apresenta, a seguir, a partir de Habermas, quatro fases de juridicização: 1] o Estado absolutista burguês; 2] o Estado burguês de direito; 3] o Estado democrático de direito e 4] o Estado social e democrático de direito. As três últimas fases são figurações conceituais do Estado de direito, regulando, verticalmente, a relação dos indivíduos para com o Estado e, horizontalmente, a relação para com o mercado. Por fim, apresentam-se os efeitos colaterais advindos de cada uma dessas fases de figuração do Estado de direito. Defende-se a tese de que tais efeitos são decorrência de uma perspectiva substancialista do Estado de direito, que interpreta os sujeitos apenas como atores, ou destinatários de direitos. Tais problemas são melhor resolvidos por uma perspectiva procedimental do Estado de direito, a qual, ao tratar os sujeitos como autores, pode contar com uma perspectiva autocorretiva dos problemas decorrentes do que Weber chamou de materialização do direito.
Palavras-Chave: Weber, Kelsen, Habermas, Estado de direito, legalidade
ABSTRACT
In this paper I argue that legal state as presented by Weber and Kelsen cannot be identified with the rule of law, because legality is a necessary but not a sufficient condition for making it possible. The ultimate reason for this is that it doesn't solve what Habermas calls the "dialectic of legal and factual equality". This paper presents three models of the rule of law, confronting them with the absolute state. These are the liberal, the democratic and the welfare state models. These regulate in different ways the relations both between the individual and the state and between individuals among themselves. Undesired effects of each model are also presented and discussed. It claims that these undesired effects stem from the fact that in each case we have to do with a substantive model of the rule of law, treating the subjects as mere addressees of the law Those problems are better solved by the procedural model of the rule of law proposed by Habermas, because it treats the subjects of rights as makers of the law.
Key-Words: Weber, Kelsen, Habermas, rule of law, legality


Introdução
Para o esclarecimento do conceito de Estado de direito, em Habermas, é necessário ter claros os seguintes conceitos com ele relacionados, quais sejam, democracia e legalidade. Segundo ele,
Estado de direito e democracia aparecem a nós como objetos inteiramente separados. Há boas razões para isso. Porque o governo político é sempre exercido na forma jurídica, o sistema legal pode existir onde a força política nãο foi ainda domesticada pelo Estado de direito. E o Estado de direito existe onde o poder de governar não foi ainda democratizado. Enfim, há governos ordenados legalmente sem as instituições do Estado de direito e há Estado de direito sem constituição democrática. Naturalmente, esses fundamentos empíricos para a divisão do trabalho no tratamento acadêmico dos dois assuntos não implica que, de um ponto de vista normativo, o Estado de direito possa existir sem democracia.2
Portanto, no Estado absolutista burguês [1], pode haver Estado de direito sem democracia e no Estado burguês de direito [2], pode haver legalidade sem Estado de direito. Para compreendermos essas afirmações, temos que distinguir os sentidos dos termos aqui envolvidos. A possibilidade de haver Estado de direito sem democracia [1] implica em ter que tomar a noção de Estado de direito, sim, num sentido normativo, mas substancial. Nessa perspectiva, o Estado de direito garante um conjunto de direitos substantivos com relação ao poder legiferante do Estado. Para que haja legalidade sem Estado de direito [2], temos que tomar a legalidade como uma forma, a qual pode albergar tanto uma concepção normativa de direito, quanto qualquer outra regra, para a qual não estamos dispostos a atribuir o valor da justiça. Veremos que a legalidade é necessária para o Estado de direito em razão de sua forma, mas pode albergar normas com conteúdos diferentes e mesmo contraditórios entre si . "O direito não possui estrutura própria, cuja forma pudesse sofrer modificações, pois a forma do direito é representada como um estojo ou cápsula plástica que se ajusta a qualquer tipo de ação de regulação por parte da administração. O conceito de lei é despojado, à maneira positivista, de toda e qualquer determinação de racionalidade. O minimum ético restante passa da forma semântica da lei para a forma democrática da legislação".3 Este é um argumento para distinguir Estado legal de Estado de direito, o qual deverá ser entendido a partir da democracia.
A partir de Weber e Kelsen, pode-se mostrar que a legalidade é um dos elementos do Estado de direito, o que ainda não determina nenhuma restrição conteudística ao poder, sendo um primeiro estágio do Estado de direito, necessário, mas não suficiente. Habermas tratará a noção de Estado de direito a partir do aspecto normativo do direito e do poder, o que remeterá, em sua concepção processual de legitimidade, para o princípio da democracia, já que é o modo como se dá conta da legitimidade do direito. Portanto, normativamente, para Habermas, o Estado de direito vem conectado com a democracia, pois é a única maneira de se dar conta da normatividade, sem apelar a alguma noção axiológica substancial.

Elementos da sociología do direito de Weber: o Estado legal
Para Weber, pode haver Estado sem direito, mas não direito sem Estado. Portanto, não há, para ele, um direito substancial que pudesse receber o nome de direito, independentemente de um aparato normativo. Daí a sua filiação ao positivismo, pois, o positivismo, caracteriza-se, menos pela afirmação de que o direito é o direito positivo e mais pelo que subjaz a essa afirmação, a saber, que o direito é o direito positivo porque o direito, em última análise, não passa de uma forma coercitiva.4 De fato, segundo Kelsen,
o Direito positivo é essencialmente uma ordem de coerção. Ao contrário das regras do direito natural, as suas regras derivam da vontade arbitrária de uma autoridade humana e, por esse motivo, simplesmente por causa da natureza de sua fonte, elas não podem ter a qualidade da auto-evidência imediata. O conteúdo das regras do Direito positivo carece da necessidade "interna" que é peculiar às regras do direito natural em virtude de sua origem [...] a doutrina que declara a coerção como característica essencial do Direito é uma doutrina positivista e se ocupa unicamente com o Direito positivo.5
Como conseqüência, o sistema do direito natural tende a ser um sistema estático, ao contrário do positivo, que é um sistema dinâmico, em razão de ser um produto da atividade humana, o que determina um caráter, na história, conservador do direito natural. Poder-se-á ver adiante de que modo as formulações de Weber sobre o direito são compatíveis com essa formulação de Kelsen.
Segundo Weber, a legitimidade é uma crença no dever ser de uma norma.6 A ação social legítima pode ser: a) racional com relação a fins; b) racional com relação a valores (por. ex., o direito natural); c) afetiva e d) tradicional. Essas são ações racionais e legítimas. Assim, a legitimidade é íntima quando afetiva, quando referente a valores e quando tradicional (religiosa). É externa quando referente a fins racionais. O direito, como ordem jurídica, está garantido externamente pela probabilidade da coação (física ou psíquica).7 A legalidade é uma forma de legitimidade sobre a qual se acrescenta a coerção.
Sendo a legitimidade uma crença, nada impede que normas distintas e mesmo contraditórias possam ser consideradas como válidas.8 A seguir, pode-se ver como Weber apresentará um conceito de direito, bem como de poder, neutro a qualquer determinação de legitimidade no que concerne a conteúdos, já que qualquer conteúdo pode ser objeto de uma norma legítima.
O conceito de coerção remete, para Weber, à questão do poder: "poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, mesmo contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento desta probabilidade".9 O poder, quando revestido de legitimidade, é obedecido. A obediência aos ditames do poder metamorfoseia-o em dominação. A disciplina, como se sabe, para Weber, é uma obediência automatizada. Uma associação de dominação é política quando pode contar com a coerção externa, portanto, com o poder. O Estado é um instituto político que consegue manter com êxito o monopólio legítimo do uso da força física para manter a ordem. Segundo Weber, a coação física não é o modo normal de manutenção das associações políticas, mas é o seu meio específico, a sua última ratio.
Essa consideração de Weber, por um lado, unifica poder e direito, enquanto uma pura forma coercitiva despida de conteúdo e, por outro lado, separa essa forma de qualquer conteúdo que possa vir a lhe ser acrescentado. Ou seja, a definição de direito, como acima visto, une-o intrinsecamente, com o poder, ou seja, com a coerção. Mas, não determina qualquer conteúdo. Mesmo a legitimidade jurídica, aqui, é despida de conteúdo, pois ela é formal, remetendo ao procedimento de sua criação e à crença de que esse procedimento é legítimo. Nas palavras de Weber,
não é possível definir uma associação política — inclusive o "Estado" — assinalando os fins da "ação da associação" [...] não existiu nenhum fim que ocasionalmente não haja sido perseguido pelas associações políticas; e não houve nenhum [...] que todas essas associações tenham perseguido. Só se pode definir, por isso, o caráter político de uma associação pelo meio [...] que sem ser-lhe exclusivo é certamente específico e para a sua essência indispensável: a coação física.10
Essa consideração de Weber permite-lhe oferecer uma concepção de legitimidade da legalidade neutra com relação a conteúdos, bem como uma concepção de direito também correspondente a essa neutralidade. Nesse sentido, Weber é partidário de uma legitimidade estritamente processual, já que uma norma portará um índice de crença na sua legitimidade, dentre outros motivos, por causa do procedimento legal pelo qual passou.
Esse imbricamento entre Estado e legalidade nos remeterá à noção de Estado legal, cuja melhor formulação em Weber será a burocracia. O Estado regido pela legalidade é portador de algumas características peculiares. Primeiro, o seu aspecto processual, já "que qualquer direito pode se criar e se modificar por meio de um estatuto sancionado corretamente quanto à forma"; segundo, a legalidade, já que "se obedece, não a pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, a qual estabelece, ao mesmo tempo, a quem e em que medida se deve obedecer. Também o que ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à 'lei' ou ao 'regramento' de uma norma formalmente abstrata".11

Kelsen e a análise do Estado de direito como pleonasmo
Na contramão de Weber,12 o qual separa Estado de direito (mas não o direito do Estado), Kelsen funde direito e Estado na sua maior profundidade. Kelsen critica a separação que Weber faz entre uma consideração sociológica do Estado, o qual poderia ser exercido, seja legalmente, seja de qualquer outro modo. A isso Kelsen chamará de concepção mística do poder do Estado. Ou seja, para ele, o Estado só existe como ordem jurídica. Como para Weber, para Kelsen também "o direito é uma organização da força",13 no entanto, ao contrário de Weber, a validade de uma norma identificar-se-á com sua existência.14 Nesse sentido ele adere ao brocardo hobbesiano auctoritas, non ventas facit legem. A teoria que separa direito e Estado, Kelsen a chama de bilateral, segundo a qual o Estado vincula-se aos direitos que ele mesmo produziu. Assim, o Estado existiria independentemente do direito, em seguida ele criaria o direito e se autovincularia a ele. Isso porque o Estado precisa de legitimação e para ser legitimado pelo direito este tem que ser pressuposto como sendo uma ordem essencialmente diferente de si mesmo. É desse modo que o Estado seria transformado de um fato de poder, ou do poder como fato, em um Estado de direito.15
Seu argumento é que os atos de Estado, como criar leis, são, na verdade, atos de indivíduos que criam leis. Esses indivíduos são autorizados juridicamente a fazer tais atos. Dizer que o Estado cria o direito, significa apenas dizer que estes indivíduos, autorizados juridicamente, criam o direito. E isso só quer dizer, no fundo, que o direito regula a sua própria criação. "Não é o Estado que se subordina ao Direito por ele criado, mas é o Direito que, regulando a conduta dos indivíduos e, especificamente, a sua conduta dirigida à criação do Direito, submete a si esses indivíduos".16 Portanto, se todo Estado é um Estado de direito, esta última expressão não passa de um pleonasmo" 17 como "descer para baixo". Segundo ele, haveria uma contradição entre conceber o Estado como não sendo não jurídico para, depois, tentar concebê-lo juridicamente. Assim, "como organização política, o Estado é uma ordem jurídica".18 O poder estatal, portanto, é a vigência de uma ordem jurídica. O poder do Estado não uma instância mística para além da eficácia de sua ordem jurídica. O poder do Estado funde-se com a eficácia da norma jurídica. Portanto, o Estado não existe independentemente da ordem jurídica, podendo ou não, ser enformado pelo direito e exercido por ele; não, eles (Estado e direito) são a mesma coisa.
O próprio Kelsen, no entanto, aponta para o significado normativo da expressão Estado de direito, a saber, a satisfação dos requisitos da democracia e da segurança jurídica,19 a qual ele descarta como um preconceito jusnaturalista para com o direito, pois o direito e o Estado não passam de "uma ordem coerciva de conduta humana — com o que nada se afirma sobre seu valor moral ou de Justiça".20 Portanto, "também uma ordem coerciva relativamente centralizada que tenha caráter autocrático e, em virtude da sua flexibilidade ilimitada, não oferece qualquer espécie de segurança jurídica, é uma ordem jurídica e a comunidade por ela constituída — na medida em que se distinga entre ordem e comunidade uma comunidade jurídica e, como tal, um Estado".21 Porém, por ter confundido Estado legal e Estado de direito,22 Kelsen não acede ao conteúdo normativo deste último.
Ora, como se pode perceber, Kelsen não se pergunta por uma concepção normativa do Estado. A conseqüência disso é que ele deixa de se perguntar pela questão da justiça ou da legitimidade, fundindo-a com a eficácia, pois a justiça ou a legitimidade são puras formas, podendo justificar quaisquer conteúdos, os quais só podem ser dados pelo direito positivo.23 Kelsen cita, como exemplo, o direito de propriedade, o qual foi estabelecido como direito legítimo pelo direito natural, mas que se configura, na verdade, como um dos vários direitos historicamente criados. Para Kelsen, só há, na sociedade, conflitos de interesses, os quais têm que ser solucionados,24 sem fazer qualquer referência a idéias irracionais de justiça ou legitimidade. A única concessão que pode ser feita, com base na experiência, é que sistemas jurídicos igualitários são mais duradouros.25 Justiça, para Kelsen, é que uma regra seja aplicada onde tem que ser aplicada e injusto é deixar de aplicá-la quando deveria ser aplicada. A justiça, legalmente considerada, não concerne ao conteúdo da norma, mas à sua aplicação. Justiça, nesse sentido, não concerne a conteúdos, mas à própria ordem jurídica.26
Como não poderia deixar de ser, com essa formulação, Kelsen retira qualquer noção normativa presente no Estado de direito, reduzindo-o ao seu primeiro estágio, ou à sua forma, qual seja, a legalidade.

Juridicização [Verrechttlichung]: Estado legal e Estado de direito
Em suma, a teoria da legalidade de Weber e Kelsen aplica-se a todos os estados, mesmo àqueles que não são estados de direito. No caso de Weber, nem todos os estados se utilizam do meio organizativo e racionalizador do direito, já, no de Kelsen, qualquer Estado, por definição, pode ser apreciadο como um conjunto de regras jurídicas, as quais são, como se sabe, coercitivas, por definição.
Habermas, na esteira de Weber, identifica, na modernidade, quatro estágios de juridificação. Esse fenômeno da juridificação tem penetrado quase todos os âmbitos da existência humana: começou pela política, depois pelo direito comercial, passando, em seguida, aos direitos sociais, chegando, hoje, a incluir as relações familiares entre marido e mulher, a educação, o meio ambiente, a educação escolar, o pátrio poder, a seguridade social (previdência, saúde e assistência social). Restam, atualmente, poucos âmbitos que não sejam regrados juridicamente.
Não se irá mencionar aqui, mas essas etapas de juridificação determinarão, progressivamente, uma perda da formalidade jurídica, ancorando-a em determinações mais positivas (conteudísticas) do que negativas (formais), o que implicará numa perda do caráter racional do direito e em novos efeitos não emancipatórios. Todas essa jornadas de emancipação e garantias jurídicas têm um resultado ambivalente, com efeitos colaterais repressivos. Assim, as etapas democratizantes da formulação do Estado de direito trouxeram efeitos colaterais, como o problema das minorias, decorrente da regra da maioria, difícil de resolver, ou o problema da neutralidade do poder, ainda não resolvido. Assim, por exemplo, o Brasil, ao adotar a língua portuguesa, favoreceu os valores do colonizador em detrimento dos indígenas. O caráter emancipatório das normas de direito privado, com relação ao mundo do trabalho medieval, implicou repressões sobre os que tinham que vender sua força de trabalho. A última etapa de juridificação, como se verá, visa a resolver esse tipo de problema, por meio dos direitos sociais. Mas essa nova etapa, certamente emancipatória de relações sociais com base no poder social de classes, implicará no caso do paternalismo no Estado de bem-estar social.
Trabalhando com essas ambivalências decorrentes das formulações do Estado de direito, pretende-se apresentar tais formulações ao modo de uma aprendizagem, em que, se concebida tal figuração ao modo procedimental, as figurações poderão tomar uma roupagem autocorretiva, em razão da presença de sujeitos que podem se auto-interpretar, não só como destinatários dos direitos do Estado de direito, mas como autores dos mesmos, a partir da discursividade própria do procedimento comunicativo. Tomaremos como protótipo desse tipo de autocorreção dos efeitos colaterais do Estado de direito a questão do feminismo, ou dos direitos da mulher, ligados, principalmente, à maternidade.
Como sabemos, a tese de Habermas é a de que, com a racionalização do mundo vivido, há uma colonização dos âmbitos desse mundo vivido por determinações sistêmicas. Porém, ao contrário de Weber, cuja leitura da racionalização segue a linha de seu conceito de ação racional com relação a fins, a leitura da racionalização feita por Habermas nortear-se-á por um conceito mais amplo de açãο, qual seja, o de açãο comunicativa, mais amplo que aquele de Weber, e capaz de abranger uma explicação da racionalização que incorpora também uma racionalidade na racionalização dos valores, os quais não são, então, como em Weber, remetidos para o âmbito do ceticismo. Ora, um dos meios de organização mais utilizados, na modernidade, pelos imperativos sistêmicos, é o direito. Assim, pode ser lida uma progressiva juridificação de âmbitos antes restritos a uma forma de integração social espontânea, típica do mundo vivido. Essa juridificação é lida por Habermas desde a perspectiva de sua legitimidade. Como se verá, o Estado legal é uma condido sine qua non para a legitimidade do poder. O Estado legal será uma das determinações necessárias, embora não suficientes, do Estado de direito, o qual, para se instituir enquanto tal, deverá ter outras determinações posteriores. Como se viu acima, para Kelsen, a legalidade é a condição suficiente do Estado de direito, mesmo porque todo Estado, para ele, já é Estado legal. O que se passa a investigar, agora, serão essas determinações posteriores, a começar por Hobbes.
No caso de Hobbes, a legitimidade resolve-se de uma vez por todas, a partir dos interesses dos indivíduos na saída do estado de guerra,27 remetendo para uma forma de legitimidade não democrática. Nesse Estado, o problema da legitimidade não atinge a relação vertical do indivíduo para com o Estado, mas somente a relação horizontal para com os outros. Por essa razão, embora o Estado Leviatã esteja vertido na forma jurídica, não existem, ainda, as determinações próprias da legitimidade no que concerne à relação vertical dos indivíduos para com o Estado. Então, o que o Estado, na roupagem da legalidade, determinará será o âmbito das relações legítimas no nível horizontal dos indivíduos entre si, no tráfico burguês da sociedade civil.
A seguir, ter-se-á as etapas seguintes de juridificação, as quais contituir-se-ão em novas determinações possíveis da legitimidade, agora num novo âmbito, qual seja, aquele da relação vertical dos indivíduos para com o Estado. Nasce, então, a noção de Estado de direito para além do Estado legal, enfocado por Weber e Kelsen. É claro que o modo como se conceberá a legitimidade, horizontalmente, determinará, também, de alguma forma, a maneira como se conceberá a legitimidade no nível vertical. Assim, em Hobbes, a legitimidade das regras horizontalmente concebidas será dada por um imperativo hipotético, a partir de determinados interesses postos como fim, resultando um conjunto de regras que Hobbes chama de leis naturais. Resolvido o problema da legitimidade horizontalmente, não se pode pôr o problema da legitimidade daquilo que resolve e torna possível a legitimidade horizontal. Assim, nos estágios seguintes, vai se colocar o problema justamente da legitimidade da relação vertical do indivíduo para com o Estado, bem como será recolocado o problema da legitimidade horizontalmente. Nesse sentido, as formulações da igualdade e liberdade determinarão novos modos de se conceber a soberania, bem como a legitimidade, seja horizontal, seja vertical.
O percurso que apresentaremos a seguir constitui-se numa dialética entre uma versão substancialista e uma versão procedimental, esta última já implícita na própria formulação democrática da soberania, em que deverão se originar todas as regras. Weber será um autor importante na formulação desse elemento processual, que pode ser visto, sem muita dificuldade, nos fundamentos da própria teoria contratual, na medida em que aquilo que dará legitimidade a uma regra, no contratualismo, será um agreement. Dessa maneira, ou o acordo segue-se de um imperativo hipotético, como em Hobbes, ou de determinações substantivas, como em Rousseau, ou propriamente procedimentais, como em Weber e Habermas. Assim, a versão substancialista pode ser lida como uma tentativa de fugir ao solo movediço de uma legitimidade que não pode mais assegurar a priori a sua validade. O fim das formas tradicionais de vida traz o vácuo das infinitas possibilidades de conteúdo legítimo.

1] O Estado absolutista burguês
Este Estado representa o cenário político, do poder, dentro do qual se diferencia o sistema econômico capitalista. Desenvolve-se, nessa esfera, o direito privado, cuja base é o sujeito capaz de relações contratuais. Ora essa realidade vai ser juridificada a partir do direito e suas características de positividade, legalidade e formalidade.28 De fato, essa é a leitura que Hegel faz dessa problemática, na medida em que, segundo sua formulação, nas teorias contratuais, o Estado acaba reduzido à sociedade civil. Numa leitura possível, a partir de Hobbes, o Leviatã surge para dar segurança, para garantir a propriedade, inexistente na ordem do estado de natureza. Constitui-se a sociedade civil, aqui, a partir do Estado, como seu garantidor. Segundo Habermas, o mundo vivido permanecerá como uma espécie de reserva de onde o Estado e a sociedade civil "extraem aquilo de que necessitam para sua reprodução: trabalho e disponibilidade à obediência".29 Hobbes apresenta, claramente, apenas as determinações sistêmicas do Estado, o qual, se por um lado garante a propriedade e a sociedade civil, por outro, se institui na base do senhorio absoluto sobre aquilo que garante. Para se entender essa problemática é necessário ter em mente a distinção, feita por Hobbes, entre três conceitos: jus naturale [right of nature], lex naturales [law of nature] e lex civiles [civil law]. Hobbes, embora defenda uma complementaridade entre lei civil e lei natural, já que elas se contêm uma à outra na medida em que a lei natural, sem a lei civil, seria despida de eficácia, no entanto, a lei civil não alberga qualquer direito [jus, right] do indivíduo; ao contrário, a lei civil será sempre uma restrição ao jus naturalis.30 Desta maneira, os direitos [rights] não encontrarão qualquer determinação no âmbito do direito positivo.
É claro que Hobbes já pode ser lido na perspectiva de uma elementar teoria dos direitos humanos, herdeira da teoria dos direitos naturais, como o direito à vida.31 O problema é que em sua obra tais direitos não ensejam um Estado de direito para proteger a vida. Ensejam, no entanto, o direito de desobediência. Isso se deve, quiçá, à necessidade de um Estado forte como o único capaz de evitar o estado de guerra e, portanto, a suprema ameaça à vida. Ou seja, os direitos do estado de natureza implicariam numa limitação do poder, o que teria como conseqüência a deterioração do Estado.
As jornadas seguintes de juridificação podem ser lidas como respostas às pretensões do mundo vivido postas à disposição do mercado e do poder na primeira etapa de juridificação, determinando a progressiva incorporação de direitos [rights]pela lei civil.

2] O Estado burguês de direito
O característico desta etapa de juridificação é que a lex civilis incorporará como regras positivas direitos subjetivos [rights]que podem ser alegados contra os atos do soberano ou da soberania. Elementos próprios do mundo vivido passam a ser reconhecidos e protegidos. Instaura-se o princípio da legalidade no sentido, agora, do império da lei, no qual a administração pública não pode agir nem contra, nem praeter e nem ultra legem. "As garantias relativas à vida, à liberdade e à propriedade das pessoas privadas já não são simplesmente resultados laterais funcionais de um tráfico econômico institucionalizado em termos de direito privado; ao contrário, com a idéia de Estado de direito tomam o estatuto de normas constitucionais moralmente justificadas".32 Locke pode ser considerado um exemplar desse tipo de formulação.

3] O Estado democrático de direito
Historicamente, essa nova etapa acontece com a Revolução Francesa e encontra sua formulação teórica em Kant e Rousseau. Os cidadãos passam a ter direitos [rights]políticos: a legitimidade de uma norma depende do assentimento daqueles que serão afetados por ela. Essa nova etapa juridiciza o processo democrático de legitimação de normas, mediante o direito de voto, a liberdade de organizar e pertencer a partidos etc. Serão novas determinações do mundo vivido a serem elevadas à proteção jurídica. Com isso, o meio poder encontra seu ancoramento definitivo no mundo vivido.
Essas duas etapas podem ser entendidas como um freio ao poder, que o repõe a partir das determinações do mundo vivido, num primeiro momento deixadas de lado. Trata-se, portanto, de uma determinação claramente burguesa da emancipação, que nem por isso deixa de ter o seu valor normativo.

4] O Estado social e democrático de direito
Marx analisou a primeira etapa, da formação da sociedade civil, ou do mercadº de trabalho, em sua ambivalência, mostrando como à liberdade de vender a força de trabalho correspondia a alienação dos resultados da produção desse trabalho, por meio do conceito de mais valia e da exploração que ele promovia. Nesse sentido, Marx demonstra, contra Weber, como o direito concebido formalmente, a partir do contrato, gera também efeitos perversos. Ou seja, não só a materialização do direito carrega valores anacrônicos para dentro do mundo jurídico, mas a próprio direito formalmente considerado engendra e protege desigualdades de fato. Por isso, essa quarta etapa de juridificação determinará um novo ganho emancipatório, a partir da perspectiva do trabalho. Trata-se da constitucionalização de uma relação de poder social, ancorada numa estrutura de clqsses. Temos, nessa etapa, a limitação do tempo de trabalho, o direito ao lazer, o salário mínimo etc. Trata-se de uma juridificação do trabalho, antes à disposição do mercado.

O poder per lege/sub lege na filosofia habermasiana
Se não se equiparar Estado e direito, como Kelsen, pode-se falar de governo per leges e de governo sub lege. O governo per leges é um primeiro estágio do Estado de direito, ou para dizer, a forma fraca, Tatu sensu, do governo sub lege. Neste primeiro momento, já há função ou potencial garantista,
na medida em que se transforma num marco formal que pode ser regulamentado, que pode criar suas próprias condições de reprodução e controle [...] pressupõe uma escolha inicial pela interdição da arbitrariedade, pela previsibilidade da solução jurídica e pela demarcação das condições do exercício do poder perante outras formas informalizadas de seu exercício. Dizer que o poder se expressa juridicamente implica procedimentalizar o exercício do poder, o que permitirá dar o passo seguinte, qual seja, a exigência de que tal expressão se dê através de um determinado tipo de normas que aglutinem as características de generalidade e abstração. Além disso, permitirá a implantação da submissão ao direito até chegar-se ao princípio da legalidade substancial que implica a limitação material do âmbito do juridicamente possível.33
Também as formulações antigas, como a de Platão, da lei como senhora dos governantes e os governantes como escravos da lei, sistema no qual aparecerão todos os bens,34 podem ser consideradas como uma formulação dessa confiança no efeito racionalizador da lei. Mesmo Aristóteles compartilha de tal evidência: "quem recomenda o império da lei parece recomendar o império exclusivo da divindade e da razão, mas quem prefere que um homem governe, de certo modo também quer pôr uma fera no governo, pois as paixões são como feras e transformam os governantes, mesmo quando eles são os melhores homens. Portanto a lei é a inteligência sem paixões".35
Numa versão substancialista, no sentido strictu sensu, ou forte, do Estado de direito, há o condicionamento não só pela forma e pelo procedimento, mas também pelo conteúdo das normas.36
No primeiro estágio pode-se chegar ao chamado absolutismo legislativo que "atinge seu paroxismo com os Estados totalitários, os quais, no entanto, se viam como Estados de Direito na medida em que se excluía a arbitrariedade pública, e o respeito à lei era assegurado".37 O regime militar brasileiro, pós-1964, também pode ser considerado um exemplo de um Estado dentro da forma legal, mas não um Estado de direito no sentido mais forte.
Junto com o movimento constitucionalista ou garantiste vem uma dimensão normativa muito forte. A questão está em como dar conta dessa dimensão normativa indisponível. Uma perspectiva é aquela substancial, o que significa uma tentativa de atualizar o discurso dos direito naturais, melhorados através dos direitos humanos. São exemplos dessa perspectiva Bobbio, Ferrajoli e Cademartori, entre outros. Outra perspectiva é daqueles, como Habermas, que seguem uma versão processual da legitimidade, sem dar-lhe um conteúdo substantivo.

O garantismo substancialista de Ferrajoli
Ferrajoli adere à tese de que o Estado legal é apenas uma etapa, necessária, mas não suficiente, do sentido normativo do Estado de direito. A legalidade e seu efeito racionalizador tem que ser complementada por determinações conteudísticas, materiais. Esse passo é feito pela positivação dos direito naturais. Esse fator determina a obsolescência da oposição entre direito positivo e direito natural, pois os direitos naturais passaram não só a ser vínculos de legitimidade externos, mas também internos. Com a positivação desses princípios, a legitimidade passa a depender não só da conformidade formal com procedimentos de sua produção, mas, também, da conformidade substancial com princípios superiores positivados; ou seja, a validade de uma norma não se confunde com a sua existência juridica.38 Esse, segundo Ferrajoli, é o elemento mais marcante do Estado constitucional de direito. Isso implicará a nulidade de leis, não só sob o aspecto formal, mas, principalmente, substantivo.
Ferrajoli distingue os seguintes conceitos:
vigência-existência-eficácia: validade formal, norma positiva; validade: validade substancial.
Validade e vigência confundem-se no Estado absoluto, segundo a máxima de Ulpianus quod principi placuit legis habet vigorem. Num tal sistema, é delito o que agrada ou desagrada ao soberano. Já no Estado de direito, há uma separação, de tal forma que a validade será, antes de tudo, uma validade substantiva referente a valores já positivados, os quais proíbem ou garantem.39 Isso determina um imbricamento entre normas inferiores inválidas e normas superiores ineficazes. Esse tipo de problemática não há nos estados absolutos.
Ao contrário de Habermas,40 para quem o processo justifica determinados conteúdos, Ferrajoli mantém a posição de que o procedimento de gestação de normas que ele denomina direitos formais atendem só a vigência das leis, ao passo que os substanciais é que determinam a validade.41

A versão habermasiana da legitimidade pelo procedimento
Cada etapa percorrida pelo Estado de direito visa a resolver uma disfunção existente. E cada etapa engendra um efeito colateral decorrente de seu próprio funcionamento, que determina que se tenha que buscar uma nova formulação capaz de dar conta desse efeitos colaterais. Assim, na primeira etapa, o Estado surgiu para garantir o âmbito do mercado. No entanto, esse primeiro momento gerou o superdimensionamento do Estado, problemática essa que veio a ser resolvida pelas duas etapas seguintes, as quais geraram, por sua vez, efeitos colaterais, como o problema das minorias ou o poderio do mercado sobre os processos democráticos do Estado de direito democrático. Na última etapa apresentada, aquela do bem-estar social, teremos o problema do paternalismo. A solução dessa cadeia de problemas só pode acontecer se tomarmos as etapas figurativas do Estado de direito numa perspectiva procedimental e não substancialista. Essa formulação atualiza, de alguma forma, a crítica de Weber à materialização do direito. Só que, para Weber, tal materialização implicava numa perda de racionalidade, já que se perdia o caráter próprio da racionalidade do direito, qual seja, a sua formalidade. Ou seja, para Weber, todos os conteúdos jurídicos remetiam a valores, os quais ancoravam em formas de vida tradicionais e, portanto, a uma vida ética, cuja racionalidade não podia ser apresentada. Habermas, ao acreditar numa formulação racional também para a moral, já que se apresenta como um cognitivista, vai apresentar uma cognição normativa possível para a moral. Nesse sentido, a sua tese é que Weber foi incapaz de ver uma racionalidade procedimental e, portanto, formal para a moral. Tal como já vimos, decorre de sua concepção reducionista de ação racional, como voltada só para os meios e não também para os fins. Ora, concebido de modo procedimental, as conseqüências perversas da materialização do direito podem ser atenuadas por um processo autocorretivo, a partir da racionalidade comunicativa, na qual os sujeitos não só são destinatários de direitos, mas seus autores.
Para Kelsen e Weber, as fórmulas do direito natural e da justiça são vazias de conteúdo, albergando, na verdade, direitos historicamente gestados.
Contudo, nenhuma das numerosas teorias do Direito natural conseguiu até agora definir o conteúdo dessa ordem justa de um modo que pelo menos se aproximasse da exatidão e objetividade com que a ciência natural pode determinar o conteúdo de leis da natureza ou a ciência jurídica, o conceito de uma ordem jurídica. Aquilo que até agora tem sido proposto como Direito natural ou, o que redunda no mesmo, como justiça, consiste, em sua maior parte, em fórmulas vazias, como suum cuique, "a cada um o seu", ou tautologias sem sentido como o imperativo categórico, ou seja, a doutrina de Kant de que os atos de alguém devem ser determinados somente por princípios que se queiram obrigatórios para todos os homens [...] Na verdade, a resposta ao que é o seu de cada um, a qual é o conteúdo dos princípios gerais obrigatórios a todos os homens, ao que é certo e o que é errado — a resposta a todas essas perguntas deve, supostamente, ser dada pelo Direito positivo. Conseqüentemente, todas essas fórmulas de justiça têm o efeito de justificar qualquer ordem jurídica positiva. Elas permitem que qualquer ordem jurídica positiva desejada tenha a aparência de justa. Quando as normas a que se atribui o caráter de "lei da natureza" ou justiça têm um conteúdo definido, elas surgem como princípios mais ou menos generalizados de um Direito positivo definido, princípios que, sem razão suficiente, são propostos como absolutamente válidos pelo fato de serem declarados como sendo leis naturais ou justas.42
Por isso, "declarar a propriedade como um direito natural, porque é o único que corresponde à natureza, é uma tentativa de tornar absoluto um princípio especial que, historicamente, em certo tempo e sob certas condições políticas e econômicas, tornou-se Direito positivo".43 Por isso, o direito natural pode ser tanto revolucionário, como conservador. Kelsen propõe abandonar essa metafísica do direito e tratá-lo como de fato é.
Weber, em sua análise do direito natural, numa versão que ele chama de material, epiteta-o de irracionalismo, que vai desde as concepções substantivas estóicas, até as formulações do direito consuetudinário e às teorias do espírito do povo da escola histórica. Frente a essa formulação material dos direitos naturais, Weber alcunha uma concepção formal do mesmo. Embora o direito natural não possa ser completamente formal, a sua formulação nos séculos XVII e XVIII tem um caráter claramente formal. De fato, as teorias contratualistas implicam numa concepção formal dos direito naturais, a partir da liberdade de contratar.44 Ou seja, a partir dessa formulação, em tese, pode resultar qualquer norma válida. É claro que essa formulação já traz algum conteúdo, como a proibição da escravidão, por atentar contra as próprias bases formais. Weber detecta nas posições da Suprema Corte americana, contrárias às regulamentações do mundo do trabalho, uma clara posição em direção a direitos naturais formais. Por outro lado, o próprio Weber constata como esse direito natural formal se transformou progressivamente em direito natural substantivo, a partir de determinações sociais e econômicas, como é o caso do socialismo ou das posições regulamentadoras e limitadoras da vontade contratual negocial. Tal é o caso da tese da exploração do Estado de necessidade na lei da usura, a qual proíbe juros elevados, a nulidade das cláusulas contratuais leoninas.45 Tais limitações ao formalismo só podem ser feitas a partir de determinações materiais, ligadas não ao mundo jurídico, mas ao mundo ético, o qual, como sabemos, porta, para Weber, uma certa dose de irracionalidade, por remeter sempre a uma moral tradicional.
Não demorou muito para que essa tendência fosse detectada e exigida da própria atividade jurisdicional. Passa-se, então, a exigir do juiz uma atividade criadora, frente à inevitável omissão das leis em face à irracionalidade dos fatos (algo já alfinetado pela afirmação aristotélica de que a lei tem que ser corrigida em razão de sua universalidade). Ora, é uma ilusão pensar que possa haver simples interpretação, sem qualquer referência a juízos concretos de valor. Como se sabe, a tese de Weber é que isso debilita a racionalidade formal do direito.46
Weber ficará indeciso entre a eficácia positivista da coerção e a necessidade da legitimidade para uma eficácia duradoura. Sendo pacífica a sua adesão ao direito positivo,47 como característica da modernidade, podemos, no entanto, discutir, como faremos adiante, a sua concepção cética de lIgitimidade. Ou seja, Weber quer defender uma legitimidade puramente formal, mas não consegue deixar de sempre vislumbrar o descaminho para justificações éticas irracionais. Segundo Habermas, podem ser destacadas duas características no tratamento da legimidade por parte de Weber: o tratamento empirista e a sua desconexão categorial com o racionalidade moral. Tal diagnóstico pode ser comprovado pela confusão ou não distinção, em Weber, entre dogmática jurídica, teoria do direito e filosofia do direito. Ele teria mantido uma atitude cética em relação ao direito em razão do seu ceticismo a princípios cognitivistas.48
Passando pelo processo de racionalização, a sociedade moderna desqualifica todas as legitimações substantivas, restando, portanto, como última ratio, o procedimento legal mediante o qual se chega às regras. O direito exige uma justificação pós-tradicional. Em Teoria da ação comunicativa (1981) e em Direito e moral (Tanner Lectures, 1986)49Habermas busca mostrar como, apesar da negativa de Weber, a motivação da decisão no procedimento legal remete a uma questão de valor.50 Weber não teria percebido que a justificação procedimental legal remete a determinações morais. Weber não teria percebido, também, que a própria moral passou por um processo de racionalização que a retirou do solo dos valores, elevando-a para um patamar pós-tradicional, no qual ela julga a partir de princípios. A noção de direitos fundamentais e de soberania popular são a expressão dessa moral de princípios.51
"Os critérios materiais para julgar o que é legítimo em sentido jusnaturalista são a 'natureza' e a 'razão'".52 Weber elimina rapidamente do direito natural moderno o seu caráter estritamente procedimental e isso porque ele não consegue perceber que razão aqui não traduz um conteúdo metafísico qualquer, mas as condições formais que devem ser satisfeitas para um acordo racional: "Weber confunde novamente as propriedades formais do nível pós-tradicional de fundamentação com valores particulares, materiais".53 Isso pode ser provado pela equiparação que ele faz entre razão e natureza, ao tratá-las igualmente na citação. No entanto, "o modelo do contrato social, do mesmo modo que o imperativo categórico, pode ser entendido como proposta para um processo, cuja racionalidade garante a correção de qualquer tipo de decisão tomada conforme um procedimento".54
A crença na legitimidade da legalidade só pode ter por base uma justificação de tipo prático-moral.55 Por essa formulação de Habermas "a fé na legalidade de um procedimento não pode engendrar legitimidade per se, isto é, somente em virtude da correção procedimental".56 A fé na legalidade é uma crença dependente de uma justificação moral,57 a qual, em todo caso, deve ser entendida em termos processuais e não substantivos.
Como sabemos, na Teoria Habermas analisa o conceito de ação, a partir do qual Weber analisa a racionalização, como sendo muito estreito, porque vem colado à racionalidade com relação a fins. O conceito de ação comunicativa será mais amplo, pois permite diferenciar uma racionalidade estratégica de uma racionalidade moral, permitindo uma análise da racionalização de caráter mas abrangente, envolvendo uma complexidade maior. Além disso, as ambivalências de uma teoria da juridificação não podem ser adequadamente compreendidas dentro do marco de uma teoria da açãο. Os âmbitos da ação. comunicativa juridicizados separam-se de seus fundamentos prático-morais. Isso combina a teoria da ação comunicativa com a teoria sistêmica, não reduzindo tudo a esta última, como parece fazer Weber.
Já em 1986, Habermas ensaiava uma incipiente diferenciação entre o procedimento jurídico e o moral de forma mais favorável ao direito, pois o mesmo podia dispor de critérios de avaliação institucionalizados, ao passo que a moral não. O procedimento é marcado pela fragilidade, pela não infalibilidade, não há univocidade, nem prazo para chegar a um resultado. Só há procedimentos falíveis para fundamentar normas.58 A moral sublimou-se num procedimento, despojando-se de conteúdos determinados.
Kant obnubilou o sentido procedimental da universalidade ao confundir "a universalidade semântica da lei geral abstrata assumiu o lugar de uma universalidade procedimental, que caracteriza a lei surgida democraticamente como expressão da 'vontade popular reunida'".59
A Filosofia do Direito habermasiana tem no conceito de legitimidade a sua clef de voûte. Trata-se, portanto, de uma questão de justificação, de fundamentação. Ora, Habermas busca construir um procedimento de gestação de conteúdos legítimos, dado pelo princípio da democracia. O princípio da democracia é vertido no sistema de direitos, resultante da aplicação do princípio do discurso sob a forma jurídica e da institucionalização jurídica do princípio do discurso. O sistema de direito forma condições possibilitadoras da gestação de conteúdos legítimos. Eles estão vertidos no código do direito, mas são ainda insaturados, tendo que ser determinados pelo sistema político que adote tais condições democráticas.
Essa forma democrática já contém algum conteúdo, traduzido nos termos que definem a própria democracia enquanto procedimento. No geral, esse sistema de direitos, o qual se constitui numa noção de soberania popular procedimentalizada, se identifica, no fundo, com o conjunto dos direitos liberais individuais e políticos. No entanto, exceto pela restrição da própria forma do procedimento democrático, o qual se traveste de um certo conteúdo, não é indicado mais nem um princípio substantivo. Desse modo, Habermas pretende evitar as criticas às teorias substantivas da justiça, seja aquelas provindas dos direitos naturais, seja dos direitos humanos. Objeções como aquela de Kelsen, segundo o qual, como vimos, tais teorias não passam de uma forma vazia, que não dizem nada e não servem, no fundo, senão para justificar um certo conjunto de direitos historicamente constituídos.

Do paradigma procedimental como solução da dialética entre igualdade de direito e de fato
As etapas de juridicização propostas por Habermas e seus efeitos colaterais podem ser resumidos do seguinte modo. A primeira etapa estabelece dois sistemas fundamentais: o mercado e o Estado. Esses dois sistemas geram dois problemas básicos: aquele, as desigualdades gritantes e este um Leviatã com poderes, se não absolutos, quase absolutos. O paradigma liberal-democrático tenta resolver o segundo problema, por meio dos direitos liberais e políticos.
No entanto, em tal paradigma perdura e se agudiza o problema da desigualdade de fato. O paradigma dos direitos sociais visa a resolver este último problema. Porém, as compensações do Estado de bem-estar social engendram o problema do paternalismo. Portanto, os efeitos colaterais a serem considerados são a desigualdade de fato característica do paradigma liberal e o paternalismo característico do paradigma dos direitos sociais.
Habermas pretende que o paradigma processual por ele proposto seja capaz de resolver ambos os problemas. Na verdade, o paradigma processual é uma operacionalização do sistema de direitos capaz de prestar honras à liberdade privada, própria do liberalismo, evitando o paternalismo, sem precisar abandonar os direitos sociais. Na verdade, para Habermas, à parte a possibilidade do paternalismo, o paradigma dos direitos sociais é normativamente superior ao liberal, ou seja, o paradigma liberal tal qual formulado historicamente — ou seja, de forma demasiadamente próxima ao mercado — é redutor da interpretação que faz do sistema de direitos, visto que o concebe apenas nos termos verticais da relação do indivíduo com o Estado, de tal forma que o paradigma social, por seu turno, consegue atribuir validade a certos conteúdos que compõem o sistema de direitos, presentes já no princípio kantiano do direito, ou seja, a compatibilidade dos arbítrios entre si, e que foram negados pelo paradigma liberal.60 Sendo assim, se o paradigma dos direitos sociais puder ser reformulado em termos tais que se desfaçam seus possíveis efeitos paternalistas, fica salvaguardada a normatividade própria do paradigma liberal — a liberdade privada —, bem como uma maior igualdade de fato, sem a qual a liberdade privada não passaria de uma possibilidade. A seguir são apresentados, sumariamente, os traços principais do paradigma proposto por Habermas.
O Estado de direito social protege direitos relacionados ao trabalho, ao lazer, ao consumo, à moradia. Como destinatários de direitos, os atores sociais têm que ter um alto grau de competência, normalmente, ligada à escolaridade para fazer valer tais direitos. Como esses direitos estão distanciados da vida comum das pessoas, torna-se necessária "uma política compensatória de proteção jurídica, capaz de fortalecer o conhecimento do direito".61 O direito pode ser reforçado, com relação ao seu uso, seja por seguros de proteção juridica, seja pela gratuidade de custas processuais. No entanto, essa coletivização dos meios de acesso ao direito só poderá ser eficaz se conseguir engajar, como autor, o necessitado de proteção. Ou seja, se o Estado puser à disposição do seu cliente os meios de acesso ao direito, mas sem tratar o sujeito como cidadão, capaz de articular politicamente, como autor, a proteção de seus interesses, o Estado estará realimentando uma forma de paternalismo num nível mais elevado. Mesmo a tentativa de resolver tal problemática com os meios processuais do direito adoece do mesmo problema. Ou seja, pela introdução de desigualdade positiva processual para resolver uma desigualdade de fato.
Habermas acata, então, como sentido político de aprendizado democrático do direito como autor, não a imposição coletiva do direito, mas a formação cooperativa da vontade. Ou seja, os destinatários devem poder ser capazes de gerir o acesso ao direito. Não se trata de abolir os ganhos dessa figuração do Estado de direito como Estado social, pois
as compensações do Estado de bem-estar social criam a igualdade de chances, as quais permitem fazer uso simétrico das competências de ação asseguradas; por isso, a compensação das perdas em situações de vida concretamente desiguais, e de posição de poder, serve à realização da igualdade de direito. Nesta medida, a dialética entre igualdade de direito e de fato transformou-se num dos motores do desenvolvimento do direito sem ressalvas do ponto de vista normativo.62
O problemático é quando as interferências do Estado social, sob o ponto de vista do direito, para garantir uma igualdade de fato, atingem a autonomia dos destinatários de tais correções protetivas. Isso ocorre quando tais correções transformam-se em assistência e os clientes passam a ter seus direitos tutelados. Isso acontece nas regulamentações trabalhistas e familiares. Nesses âmbitos, há uma espécie de tutela, por parte do Estado, por meio de juizados da infância e da juventude, do ministério do trabalho, de interesses que deveriam ser engendrados pelos próprios interessados. Isso assegura "uma representação eficaz dos interesses, porém às custas da liberdade de decisão dos membros de organizações condenados à adaptação e à obediência passiva".63 Tal formulação, ao mesmo tempo propicia e retira a liberdade de ação.
Porém, se essas formulações forem compreendidas de um modo democrático, então, fica "permitido que os destinatários do direito estabelecido possam entender-se, ao mesmo tempo, como autores que criam o direito".64 Em suma, o difícil será evitar, por um lado, as discriminações fáticas, sob o ponto de vista do direito formal, o qual defende a liberdade privada e, por outro, o paternalismo, sob o ponto de vista do direito material, o qual defende a igualdade de fato: "um programa jurídico é discriminador, quando não leva em conta as limitações da liberdade derivadas de desigualdades fáticas; ou paternalista, quando não leva em conta as limitações da liberdade que acompanham as compensações oferecidas pelo Estado, tendo em vista essas desigualdades".65 Portanto, trata-se de equilibrar os princípios da justiça liberal, entendida como distribuição igual de direitos e da justiça social entendida como distribuição igual de chances. Ou seja, trata-se da igualdade para além das determinações formais do direito, de tal forma que seja promovida uma igualdade material de chances, sem atentar contra a liberdade.
Habermas assevera que o erro das duas formulações consiste em entender o processo de juridicização da liberdade como distribuição. Isto é, concebem os direitos ao modo de posses e não de papéis ou relações. Ou seja, para Habermas, os direitos têm mais a ver com um fazer, com uma ação, do que com ter, com uma posse. Nesse sentido, a injustiça não é só privar alguém do que é seu, mas privar alguém de fazer, de um exercício de criação do direito que está na base da própria noção de cidadania ativa. A passagem da interpretação do direito como um ter para um agir determina uma formulação radicalmente democrática do direito, na qual o cidadão passa a ter um papel ativo na gestação de direitos, não sendo só o destinatário deles. Como autor e destinatário, o processo assume uma função autocorretiva, inexistente quando o direito é interpretado a partir da propriedade ou do dar a cada um o que é seu.
A cidadania ativa será a única não só a poder determinar fatores relevantes para que sejam instituídas medidas protetivas, mas, também, mediante essa determinação mesma manter um espaço de liberdade intacta e ativa, portadora de interesses que podem ser exercidos não só pela tutela do Estado, mas pela própria atividade política.
No caso do feminismo, as políticas protetivas criaram efeitos contrários. Assim, os direitos ligados à gestação e à maternidade ao mesmo tempo que protegiam as mulheres, agravavam a dificuldade de conseguir empregos, devido aos custos desses direitos para o setor de produção. Para que aquilo que é igual seja tratado de modo igual e o que for diferente de modo diferente, será preciso operacionalizar os aspectos relevantes para instituir diferenças, sem ferir a igualdade. Para uma compreensão procedimentalista, "a concretização de direitos fundamentais constitui um processo que garante a autonomia privada de sujeitos privados iguais em direitos, porém em harmonia com a ativação de sua autonomia enquanto cidadãos".66
A partir dessas formulações e frente ao insucesso do paradigma social, material, sem levar em conta todas as circunstâncias relevantes, o paradigma liberal, formal, encontra razões epistemológicas para abandonar a complexidade à sua própria autoregulamentação. Frente aos dois, o paradigma procedimental pode tentar abarcar o âmbito da complexidade das questões relevantes para o tratamento da desigualdade, em que os próprios destinatários do direito, como seus autores, podem corrigir os rumos dos acontecimentos, num processo de aprendizagem falível:
Todo aquele que tenta enfrentar as perspectivas reformistas, servindo-se apenas dos argumentos triviais que destacam a complexidade, confunde legitimidade com eficiência e desconhece o fato de que as instituições do Estado de direito não visam simplesmente reduzir a complexidade, mas procuram mantê-la através de uma contraregulação, a fim de estabilizar a tensão entre facticidade e validade.67
Trata-se de entender a constituição e, portanto, o direito "como sendo a instituição de um processo de aprendizagem falível, através do qual a sociedade vence, passo a passo, sua natural incapacidade para uma autotematização normativa".68 Como visto, as diferenciações no direito processual, como parte do paradigma dos direitos sociais, bem como a questão do feminismo, são os exemplos aportados para indicar de que modo se evitaria o paternalismo tendencialmente ligado a esse paradigma, permitindo que a liberdade e a igualdade sejam melhor realizadas do que no paradigma liberal.


Artigo recebido em maio/2003 e aprovado em fev./2004.


1 Das abreviaturas: [ Links ]TrFG1 HABERMAS, J. Direito e democracia: entre faticidade e validade. [v. I]. [Trad. F. B. Siebeneichler: Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats].Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. [ Links ]TrFG2
HABERMAS, J. Direito e democracia: entre faticidade e validade. [v. 11]. [Trad. F. B. Siebeneichler: Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
2 HABERMAS, Jürgen. Die Einbeziehung des Anderen: Studien zur politischen Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997. p. 293. [ Links ]3 TrFG2, p. 208. 4 Cf. FG, p. 113 [TrFG1, p. 117]. 5 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. [L. C. Borges: General Theory of Law and State]. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 559. [ Links ]6 Cf. WEBER, Max. Economia y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. [J. Winckelmann: Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriss der Verstehenden Soziologie]. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1998. p. 26. [ Links ]7 Idem, p. 20 e 27. 8 Idem, p. 26. 9 WEBER, op. cit., p. 43. 10 Idem, p. 44. 11 WEBER, op. cit., p. 707. 12 Cf. KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 271-272. [ Links ]13 Idem, p. 30. 14 Idem, p. 43. 15 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. [J. B. Machado: Reine Rechtslehre]. 3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 301. [ Links ]16 Idem, p. 327. 17 Idem, p. 328. 18 KELSEN. Teoria pura do direito. p. 302. Nem toda ordem jurídica será um Estado, por ex., as relações jurídicas internacionais. 19 Idem, p. 328. 20 Idem, p. 334. 21 Idem, p. 334. 22 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. [P. A. Ibáñez: Diritto e ragione. Teoria delgarantismo penale]. Madrid: Trotta,2000. p. 360. [ Links ]23 Cf. KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 14-15. 24 Idem, p. 19. 25 Cf. KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 20. 26 Idem, p. 20. 27 Cf. FG, p. 119 [TrFG1, p. 123]. 28 Positivo é um direito estatuído; a legalidade prescinde do comportamento ético e a formalidade implica em normas neutras eticamente, estabelecendo um espaço para a liberdade de arbítrio, segundo a regra, o que a lei não proíbe, ela permite [cf. TKHI 336]. 29 HABERMAS, Jürgen. Theorie des kommunicativen Handelns. (Band 2). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981. p. 506. [ Links ]30 Cf. HOBBES, Thomas. Leviathan. Oxford: Oxford University Press, 1996. Cap. XIV e XXVI. [ Links ]31 Ver STRAUSS, Leo. Natural Right and History. Chicago: The University of Chicago Press, 1965. [ Links ]32 HABERMAS. Theorie des kommunicativen Handelns. (Band 2). p. 508. 33 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantiste. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 22-3. [ Links ]34 PLATON. Oeuvres complètes de Platon I. Trad. Léon Robin. Paris: Gallimard, 1950. p. 715d. 35 ARISTOTE. La politique. Trad. J. Tricot. Paris: Vrin, 1970. p. 1287b. 36 Cf. CADEMARTORI, op. cit., p. 24. 37 Idem, p. 26. 38 Cf. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. [P. A. Ibáñez: Diritto e ragione. Teoría del garantismo penale]. Madrid: Trotta, 2000. p. 355. [ Links ]39 Idem, p. 363. 40 Para uma melhor compreensão da posição de Habermas, ver A fundamentação discursiva do estado de direito como imperativo categórico e como imperativo hipotético, do mesmo autor do presente escrito. 41 Cf. FERRAJOLI. Derechos y garantias: la ley del más débil. Madrid: Trotta, 2001. p. 23. [ Links ]42 KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 14-15. 43 KELSEN. Teoria geral do direito e do estado, p. 16. 44 Cf. WEBER, op. cit., p. 640-641. 45 Idem, p. 653. 46 Cf. WEBER. op. cit., p. 658. 47 HABERMAS, Jürgen. Theorie des kommunicativen Handelns. (Band 1). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981. p. 339. 48 Cf. FG, p. 94-95 [TrFG1, p. 98-99]. 49 O modo como Habermas concebe a relação de complementaridade entre direito e moral muda em FG. A mudança dá-se porque, nessa obra, Habermas determinará uma diferenciação entre as razões morais e as razões jurídicas, as quais são mais amplas do que as razões morais, nãο podendo ser reduzidas a essa. Essa nova formulação remete a uma compreensão do princípio do discurso neutro com relação à moral e ao direito. Inicialmente, Habermas dera uma conotação moral a tal princípio. 50 Cf. HABERMAS. Theorie des kommunicativen Handelns. (Band 1), p. 331-2; TrFG2, p. 194. 51 Idem, p. 338, 340. 52 WEBER. op. cit., p. 642. 53 HABERMAS. Theorie des kommunicativen Handelns. (Band 1), p. 342. 54 TrFG2, p. 201-2 [FG, p. 550]. 55 Cf. HABERMAS. Theorie des kommunicativen Handelns. (Band 1), p. 343. 56 Idem, p. 344. 57 Cf. FG, p. 550-1 [TrFG2, p. 202]. 58 Cf. FG, p. 565-7 [TrFG2, p. 216-217]. 59 TrFG2, p. 244 [FG, p. 596]. 60 Cf. FG, p. 305-306 [TrFG 1, p. 311]. 61 TrFG2, p. 149 [FG, p. 495]. 62 TrFG2, p. 155 [FG, p. 501]. 63 TrFG2, p. 156 [FG, p. 502]. 64 TrFG2, p. 157 [FG, p. 503]. 65 TrFG2, p. 157 [FG, p. 503]. 66 TrFG2, p. 169 [FG, p. 515]. 67 TrFG2, p.188 [FG, p. 535]. 68 TrFG2, p.189 [FG, p.535-536].

TEXTO SOBRE WEBER E KELSEN

Oi amigos(as).

Segue um texto para reflexão, sobre Weber e Kelsen.

Um abraço,

Queila Martins.

Revista de Sociologia e Política
ISSN 0104-4478 versão impressa
Rev. Sociol. Polit. n.27 Curitiba nov. 2006
doi: 10.1590/S0104-44782006000200012
ARTIGOS

Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia e a dogmática jurídicas1

Max Weber and Hans Kelsen: the sociology of law and juridical dogma

Max Weber et Hans Kelsen: la sociologie et la dogmatique juridiques


Daniel Barile da Silveira


RESUMO
Max Weber e Hans Kelsen são dois autores clássicos considerados de extrema importância na elaboração de alguns dos mais célebres conceitos utilizados nas searas das Ciências Sociais e do Direito, respectivamente. Entretanto, quando se unem tais campos do conhecimento, representados pela Sociologia do Direito, inúmeras confusões terminológicas e relativas ao objeto e ao método de estudo são perpetradas, dificultando que o rigor científico seja atingido com profícua precisão. Nesse sentido, o presente trabalho visa a estabelecer as distinções mais prementes entre a Sociologia Jurídica e a Ciência Jurídica ou Dogmática, tratadas sob a perspectiva da análise dos pensamentos weberianos e kelsenianos.
Palavras-chave: Max Weber; Hans Kelsen; Sociologia Jurídica; Ciência do Direito; Dogmática Jurídica.
ABSTRACT
Max Weber and Hans Kelsen are two classical authors considered extremely important in the creation of some of the essential concepts that are commonly used in the Social Sciencs and Law, respectively. However, when these two fields of knowledge are put together under the rubric of the Sociology of Law, a series of misunderstandings around terminology, objects and methods tend to emerge, making it difficult to attain desired levels of scientific rigor. In this light, the present article aims to establish some of the most important distinctions that need to be made between the Sociology of Law and Jurisprudence, as they are represented by the works of the two above-mentioned theorists.
Keywords: Max Weber; Hans Kelsen; Juridical Sociology; Science of Law; Legal Dogmatics.
RÉSUMÉ
Max Weber et Hans Kelsen sont deux auteurs classiques considérés comme trés importants dans l'élaboration de certains des plus célèbres concepts utilisés dans le domaine des Sciences Sociales et du Droit. Pourtant, lorsque de tels champs de connaissance se joignent, représentés par la Sociologie du Droit, de nombreuses erreurs terminologiques et relatives à l'objet et à la méthode d'étude surviennent, ce qui empêche que la rigueur scientifique soit atteinte avec précision. Ce travail vise donc établir les distinctions plus urgentes entre la Sociologie Juridique et la Science Juridique ou Dogmatique, traitées sous la perspective de l'analyse des concepts wébériens et kelsiens.
Mots-clés: Max Weber; Hans Kelsen; Sociologie Juridique; Science du Droit; Dogmatique Juridique.


I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho presta-se a analisar os conceitos referentes à Sociologia do Direito e à Ciência do Direito ou Dogmática Jurídica, sob o ponto de vista de seus maiores expoentes, quais seja, Max weber e Hans Kelsen, respectivamente. Em uma primeira análise, buscar-se-á situá-los historicamente, além de demonstrar as suas relações de proximidade e a interface que estabeleciam em relação às teorias jurídicas e sociológicas vigentes no momento da produção de suas obras. Em um segundo momento, far-se-á uma análise mais aprofundada do pensamento de Weber sobre as relações travadas entre Sociologia e Ciência do Direito, argumentação que é complementada em um terceiro bloco, em que se visa demonstrar como tais concepções são tratadas por Kelsen. Por fim, buscar-se-á estabelecer uma síntese de tais idéias, no intuito de propor um prisma interpretativo e um olhar analítico sobre as relações travadas entre a Sociologia e Dogmática jurídicas, abrindo um novo espaço para futuras perquirições.
Sem dúvida nenhuma, Max Weber e Hans Kelsen representam dois dos mais importantes clássicos para o entendimento do fenômeno jurídico moderno. Desde o início do século XX suas respectivas obras foram incessantemente estudadas, revistas e comentadas em cátedras de todo mundo, engendrando novas interpretações e classificações das mais diversas possíveis, por onde quer que suas teorias exercessem influência. Enquanto o primeiro atinha-se aos bancos da Sociologia, da Ciência Política, ou melhor, das Ciências Sociais como um todo, além de produzir importantes transformações no currículo acadêmico das escolas de Economia, o segundo gerava, de igual modo, severo impacto nas Humanidades, em especial na seara do Direito. Enquanto Weber representa um dos mais altos expoentes da Sociologia Jurídica, Kelsen, por sua vez, solidificou-se como a mais expressiva referência no âmbito da Dogmática Jurídica.
A relação intelectual entre Weber e Kelsen é bastante fluida. Tal proximidade pode ser constatada na medida em que, além de serem autores contemporâneos e professores da Universidade de Heildelberg, suas teorias tiveram inúmeros seguidores na Alemanha e seus estudos foram paradigmas de interpretação em diversos pólos intelectuais na Europa pós-vitoriana. Segundo relatam os comentadores, nos anos de 1911 a 1913, época em que Weber desenvolveu sua Sociologia do Direito, Kelsen publica (em 1911) sua primeira grande obra intitulada Hautptprobleme der Rechtstaatslehre. Na primeira edição de seu livro, conforme assinala-nos Norberto Bobbio (1998, p. 255-256), Kelsen já citava Weber, indicando a acurada leitura do pensamento weberiano que naquele momento já despontava e consolidava-se na Alemanha do início do século passado. Posteriormente, quando a obra póstuma Economia e sociedade é lançada em caráter definitivo, Kelsen submete-a a algumas apreciações críticas, tendo inclusive publicado alguns artigos em que julga a postura teórica weberiana2. Por fim, na obra Teoria geral do Direito e do Estado, o autor vienense tece algumas considerações a respeito da Sociologia Jurídica de Weber, contestando alguns posicionamentos assumidos pelo pensador, cujos desdobramentos veremos mais adiante.
A discussão entre Sociologia Jurídica e Dogmática Jurídica trazida por Weber no seio de Economia e sociedade remonta, em realidade, à celeuma engendrada por dois antecessores seus, Herman Kantorowicz e Eugen Erlich, precursores da chamada "Escola do Direito Livre" e do "Movimento Sociológico do Direito", até então com relativa influência nas academias jurídicas alemãs3. Pregavam estes dois autores, em suma e basicamente, a idéia de que a lei não poderia criar efetivamente o Direito, visto que tal tarefa era destinada ao órgão vivo, ao elemento subjetivo do Direito, o juiz (giurisprudenzia). Deste modo, qualquer ciência que fosse válida deveria pautar-se nos acontecimentos da realidade, nos elementos empiricamente constatáveis. Com tais formulações, criticavam severamente a ciência jurídica dos juristas que somente se atinham às leis formalmente criadas pelo legislador. Além do mais, tais pensadores reivindicavam a função judicial como a verdadeira fonte de Direito, visto que se tratava de efetivamente aplicar uma norma abstrata ao mundo fático, função esta materializadora do Direito e que alcançava, portanto, fins práticos. Propunham, assim, a livre criação do Direito por parte do magistrado, além de defenderem a idéia de que a Sociologia do Direito seria a única e verdadeira ciência de estudo do Direito, por ser a única que se voltava a atingir ao escopo do próprio Direito, que é a transformação do mundo fático.

II. A POSTURA WEBERIANA
Max Weber, por sua vez, assumiu postura diferenciada frente a seus predecessores e, em verdade, encerrou posições mais coerentes ante a concepção do caráter autônomo das ciências, já amplamente aceito pelos pensadores na época. Criticou Kantorowicz e Erlich porque ambos tentaram reduzir a Ciência do Direito a uma disciplina sociológica, portanto, investindo suas teorias de caráter valorativo, tese incompatível com a neutralidade axiológica pregada por Weber em seus ensaios metodológicos. Segundo entendia, a Ciência Jurídica ou Dogmática Jurídica e a Sociologia do Direito não poderiam jamais ser justapostas, uma vez que ambas ocupam lugares distintos, isoladamente considerados (WEBER, 1999, v. I, p. 109ss.). Tal discussão engendrada por seus antecessores – e que posteriormente é retomada por Kelsen, só que de maneira inversa, tendo a Dogmática Jurídica certa "prevalência" sobre a Sociologia Jurídica4– basicamente era pertinente a problemas de ordem metodológica e não poderiam ultrapassar esta esfera, como o estabelecimento de primazia de uma pela outra e vice-versa. É necessário ressaltar que Weber evita cair em uma postura "sociologista", como fizeram Kantorowicz e Erlich, promovendo adequadamente a distinção entre ambos os conceitos e seus respectivos âmbitos de validade.
Emprestando as concepções de Jellinek5 de "validade ideal" (a validade de uma norma frente ao conjunto de outras normas) e "validade empírica" (a validade de uma norma frente a um grupo de pessoas que se orienta perante essa norma ou com relação a um grupo de normas), Weber trata de evidenciar essas duas perspectivas de modo a esclarecer suas lógicas internas e operar sua distinção fundamental entre a Dogmática e a Sociologia jurídicas. Nosso autor já inicia o capítulo "Economia e as ordens socias" de sua Economia e sociedade deixando evidente sua intenção: "Quando se fala de "Direito", "ordem jurídica" e "norma jurídica", deve-se observar muito rigorosamente a diferença entre os pontos de vista jurídico e sociológico. Quanto ao primeiro, cabe perguntar o que idealmente se entende por direito. Isto é, que significado, ou seja, que sentido normativo, deveria corresponder, de modo logicamente correto, a um complexo verbal que se apresenta como norma jurídica. Quanto ao último, ao contrário, cabe perguntar o que de fato ocorre, dado que existe a probabilidade de as pessoas participantes nas ações da comunidade – especialmente aquelas em cujas mãos está uma porção socialmente relevante de influência efetiva sobre essas ações –, considerarem subjetivamente determinadas ordens como válidas e assim as tratarem, orientando, portanto, por elas suas condutas" (WEBER, 1999, v. I, p. 209; grifos no original).
Depreende-se desta passagem que Weber reduz a tensão entre Dogmática Jurídica e Sociologia do Direito a um cariz estritamente metodológico. Ele considera que quando tratamos da primeira ciência servimo-nos do método lógico-normativo, ao passo que na segunda utiliza-se o método empírico-causal, este típico da Sociologia. O método lógico-normativo possui a finalidade de verificar no interior de um "cosmos de regras abstratas" suas regras de validade, realizando uma verificação de compatibilidade lógica das normas em um ordenamento. Esta operação, portanto, situa-se no plano ideal, ou seja, no pensamento racional, no plano das idéias. Já o método empírico-causal investiga o comportamento dos indivíduos frente a um sistema de regras, avaliando a potencialidade de suas condutas subsumirem aquelas disposições, ou ainda, orientarem-se segundo o conteúdo da norma, ainda que não cumprindo o disposto nela.
A Dogmático-jurídica para Weber possui uma peculiaridade especial: ela situa-se na esfera do dever-ser (Sollen), porquanto lida com a forma de melhor regular (prescrever) condutas e organizá-las sistemática e logicamente, de modo a criar um sistema isento de contradições e exigível perante seus destinatários. Como ele próprio nos ensina a Dogmático-jurídica: "[...] propõe-se a tarefa de investigar o sentido correto de normas cujo conteúdo apresenta-se como uma ordem que pretende ser determinante para o comportamento de um círculo de pessoas de alguma forma definido, isto é, de investigar as situações efetivas sujeitas a essa ordem e o modo como isso ocorre" (ibidem).
Assim entendido, a Dogmática Jurídica investiga as hipóteses em que uma norma será considerada proibida, permitida, concessiva, explicativa, integrativa, dentre outros tipos, de sorte a impor-se como uma ordem àqueles a ela sujeitos. "Para esse fim", continua Weber, "assim procede: partindo da vigência empírica indubitável daquelas normas, procura classificá-las de modo a encaixá-las em um sistema sem contradição lógica interna. Este sistema é a 'ordem jurídica' no sentido jurídico da palavra" (ibidem).
Por outro lado, entende-se por Sociologia Jurídica na obra weberiana o estudo do comportamento dos indivíduos frente às normas vigentes e à determinação do grau em que se verifica a orientação dos homens por esse conjunto de leis (ordem legítima). A tarefa sociológica na seara do Direito atém-se a investigar, no plano da realidade, do acontecer fático, o que sucede no comportamento das pessoas que se submetem a um ordenamento e de que maneira verifica-se sua orientação segundo esta ordem legítima. Como bem interpreta e assinala Julien Freund (2000, p. 178), a Sociologia Jurídica "[...] tem por objeto compreender o comportamento significativo dos membros de um grupamento quanto às leis em vigor e determinar o sentido da crença em sua validade ou na ordem que elas estabeleceram. Procura, pois, apreender até que ponto as regras de direito são observadas, e como os indivíduos orientam de acordo com elas a sua conduta".
Vislumbra-se que a preocupação de Weber em situar esses limites específicos, destina-se a não permitir a confusão entre aqueles assuntos referentes aos aspectos normativos e aqueles situados no acontecer social (empíricos). Tal tarefa decorre da diferenciação quanto às regras do "ser" (Sein) e do "dever-ser" (Sollen), de tradição kantiana, na qual o comportamento humano orientado conforme a norma – atuar este que se situa no plano do "ser", da realidade fática – é de incumbência de estudo da Sociologia Jurídica; ao passo que as regras jurídicas, a forma de sua criação, seu conteúdo a ser prescrito, sua organização em um sistema lógico interno, isento de contradições, seriam da alçada da Dogmática Jurídica, visto que se situam na esfera do "dever-ser". Fica evidente tal consideração quando nos reportamos ao próprio Weber, quando assevera com propriedade: "[...] a ordem jurídica ideal da teoria do direito [leia-se aqui Dogmática Jurídica] não tem diretamente nada a ver com o cosmos das ações [...] efetivas [objeto da Sociologia Jurídica], uma vez que ambos se encontram em planos diferentes: a primeira, no plano ideal de vigência pretendida; o segundo, no dos acontecimentos reais" (WEBER, 1999, v. I, p. 209)6.
Um ponto bem peculiar é necessário não se deixar obnubilar: a Sociologia Jurídica é responsável por investigar o comportamento dos indivíduos conforme um ordenamento jurídico posto (vigente)7, orientando-se por ele, para o cumprir ou o burlar. Um estelionatário, a fim de livrar-se do peso da lei, orienta-se segundo a norma com o fito de escapar-lhe. Ele visa aplicar a máxima diligência em não ser descoberto, porque ao orientar-se conforme a norma percebe que aquele comportamento é reprovável e sujeito à sanção. Atente-se, assim, para o fato de que a observância ou não observância normativa não é requisito essencial para determinar o que é e o que não é tarefa da Sociologia Jurídica investigar. Assim, basta a ação do indivíduo conforme a ordem prescrita para que encontremos matéria de análise. Como Weber explica: "O fato de pessoas quaisquer se comportarem de determinada forma porque a consideram prescrita por normas jurídicas é, sem dúvida, um componente essencial da gênese real empírica, e também da perduração, de uma 'ordem jurídica'" (WEBER, 1999, v. I, p. 210; grifos no original). E complementa sua idéia em um outro trecho: "Também é desnecessário [dizer] [...] que todos os que compartilham a convicção do caráter normativo de determinadas condutas vivam sempre de acordo com isso. Isso também nunca ocorre [...]. O 'Direito' é para nós [segundo a ótica da Sociologia Jurídica] uma 'ordem' com certas garantias específicas da probabilidade de sua vigência empírica" (ibidem; sem grifos no original).

III. A POSTURA KELSENIANA
Mas nem com tamanha clareza e discernimento Weber deixou de ser criticado. Hans Kelsen foi um de seus principais contendedores, sem que em virtude disso tenha deixado de reconhecer a clarividência do pensamento weberiano sobre a definição da Sociologia Jurídica. O movimento positivista na época em que Weber produz suas obras já é bastante acentuado e por diversas partes da Europa vão surgindo diferentes teorias que, de maneira comum, convergem para um ponto central, consistente na idéia de reduzir o Direito a um universo de normas jurídicas criadas e impostas pelo Estado. O Pandectismo na Alemanha, representado por Bernhard Windscheid como seu expoente máximo; a Escola da Exegese francesa, que influenciou diretamente na confecção do Código Napoleônico; passando pela Escola Analítica na Inglaterra, cuja premissa era fundada na necessidade da codificação dos textos legais, pregada principalmente por John Austin; até Hans Kelsen, já no início do século XX, tem-se praticamente um século de surgimento e consolidação do pensamento positivista/pré-positivista, representando uma forte tendência crescente nas universidades e nos tribunais da época8.
Kelsen já havia tecido severas críticas a Kantorowicz e Erlich, contestando o posicionamento desses autores quanto a afirmarem ser a Sociologia do Direito a única ciência capaz de definir o fenômeno jurídico, o que reduzia a Ciência do Direito a uma disciplina sociológica9. Assim, Kelsen entendia que a Sociologia Jurídica não era uma ciência autônoma, visto que, necessariamente, para definir seu objeto, teria de recorrer a conceitos elaborados pela Ciência do Direito, fato este que encerrava uma substancial dependência conceitual daquele campo de conhecimento para com esta ciência. E tal razão, dentro do esquema analítico kelseniano, possui uma fecunda coerência. Ao tratar o fenômeno jurídico como um sistema de normas válidas, ou seja, leis que estariam em conformidade com aquelas que lhes seriam diretamente superiores, hierarquicamente organizadas, até chegar ao preceito fundamental – Grundnorm: fundamento de validade de todo o sistema jurídico – o pensador vienense reduz o âmbito do estudo da Ciência Jurídica à norma (ou ao conjunto delas), excluindo da Ciência Jurídica os fenômenos sociais, políticos e psicológicos, os quais seriam objetos da Sociologia, Ciência Política e Psicologia, respectivamente. Era assim que conferia "pureza" à Teoria do Direito10. De tal sorte, que as definições de "norma", "ordenamento jurídico", "ordem jurídica" eram de incumbência da Dogmática Jurídica , visto que estes eram seus objetos próprios. A Sociologia Jurídica, portanto, para Kelsen, não poderia jamais ser considerada como uma ciência autônoma por lhe faltar conceitos próprios. Para fundamentar suas teorias teria de recorrer à Ciência do Direito (Dogmática Jurídica) e dali extrair a definição de "norma", "ordenamento" e "ordem jurídica". Notória, para Kelsen, seria a dependência da Sociologia Jurídica em relação à Ciência do Direito, em que pese a interface conceitual entre ambas. Em sua Teoria geral do Direito e do Estado, o autor vienense, tece alguns apontamentos às posturas weberianas, apesar de sobrelevar a astúcia de Weber em definir o âmbito de atuação da Sociologia Jurídica: "O valor de uma descrição de Direito positivo em termos sociológicos é ainda mais diminuído pelo fato de que a sociologia só pode definir o fenômeno do Direito, do Direito positivo de uma comunidade particular, recorrendo ao conceito de Direito tal como definido pela jurisprudência normativa. O objeto da jurisprudência sociológica não são normas válidas – as quais constituem o objeto da jurisprudência normativa – mas a conduta humana. Que conduta humana? Apenas a conduta humana tal que, de um modo ou de outro, está relacionada ao 'Direito'. [...] Até agora, a tentativa mais bem-sucedida de definir o objeto de uma sociologia do Direito foi feita por Max Weber. Ele escreve: 'Quando nos ocupamos com 'Direito', 'ordem jurídica', 'regra de Direito', devemos observar estritamente a distinção entre um ponto de vista jurídico e um sociológico. A jurisprudência pede as normas jurídicas idealmente válidas'. Ou seja: qual significado normativo deverá ser vinculado a uma sentença que aparenta representar uma norma jurídica. A sociologia investiga o que efetivamente está acontecendo na sociedade porque existe certa possibilidade de que os seus membros acreditem na validade de uma ordem e adaptem (orientieren) a sua conduta a essa 'ordem'. Daí, segundo essa definição, o objeto de uma sociologia do Direito é a conduta humana que o indivíduo adaptou (orientiert) a uma ordem porque considera essa ordem como 'válida'; e isso significa que o indivíduo cuja conduta constitui o objeto da sociologia do Direito considera a ordem da mesma maneira que a jurisprudência considera o Direito. Para ser objeto de uma sociologia do Direito, a conduta humana deve ser determinada pela idéia de uma ordem válida" (KELSEN, 1998, p. 248; 253).
Note-se a proximidade da idéia divisória entre Kelsen e Weber no que toca à Dogmática Jurídica e à Sociologia do Direito. Enquanto uma preocupa-se com o exame das normas e suas relações lógico-sistemáticas, a outra atém-se ao campo de perquirição do comportamento do indivíduo perante essas normas. Esse é o ponto mais coincidente entre os autores, no que concerne às suas conceituações. Ao passo que a Sociologia Jurídica ocupa-se das tarefas do "ser" (Sein), a Dogmática Jurídica está ligada ao teor prescritivo, do dever-ser (Sollen). Sem embargo, o principal enfoque diferenciador entre os estudiosos reside na questão da total autonomia da Sociologia do Direito. Enquanto Weber irá afirmar que a Sociologia Jurídica tem método e objeto próprios: o método empírico-causal e como objeto o comportamento humano perante a norma; Kelsen, apesar de concordar com o âmbito desta última categoria (esfera do "ser"), insiste em afirmar que, para esse comportamento ser estudado, há a necessidade de a Sociologia Jurídica recorrer ao conceito de "norma" (entenda-se "norma", "ordenamento jurídico", "ordem jurídica") elaborado pela Ciência do Direito, o que afetaria terminantemente sua autonomia como ciência, visto que teria de valer-se de conceitos que estão fora da sua esfera de alcance.
É importante lembrar que, malgrado outras divergências de menor relevância, um outro ponto fundamental de disparidade entre Kelsen e Weber funda-se no conceito de "validade". O primeiro entende a validade "como a existência específica de normas" (KELSEN, 1998, p. 43; 2000, p. 235), quando elas nascem de uma autoridade competente e perpetuam-se dentro do ordenamento jurídico, observado o critério de estarem em conformidade com a que lhes é hierarquicamente superior, e dotadas, portanto, de obrigatoriedade (critério meramente formal). Weber já entende validade, quando a orientação das ações sociais dá-se em função da norma jurídica (ou de normas jurídicas) (WEBER, 1999, v. I, p. 210), portanto, quando os homens comportam-se pautando suas condutas perante a norma. A contrario sensu, se os indivíduos desconsiderassem a regra legal e não pautassem suas ações orientados por ela, indubitavelmente ela teria perdido sua validade. Cabe ressaltar, por fim, que esse comportamento segundo a norma não induz necessariamente a ser em conformidade com a norma (sinônimo de observância), conforme detalhado anteriormente.
Norberto Bobbio aponta com extrema agudeza esse ponto de intersecção entre Weber e Kelsen: "[...] malgrado a diversidade do objeto de análise sociológica de Weber e jurídica de Kelsen, bem como malgrado a diferença de terminologia, Weber e Kelsen concordam sobre um ponto de vista extremamente importante, qual seja, a da distinção dos pontos de vistas do sociólogo e do jurista e das duas esferas do ser e do dever-ser, dos quais tratam as duas ciências [...] Kelsen considera que a distinção é necessária e que o critério de distinção proposto por Weber é correto [...]" (BOBBIO, 1998, p. 263)11.
Embora convergisse teoricamente com Weber no que toca à necessidade de separação e do estabelecimento desses critérios de diferenciação entre Sociologia do Direito e Dogmática Jurídica, Hans Kelsen, em contrapartida, não poupou ríspidas críticas às propostas conceituais indicadas por Weber em sua Sociologia Jurídica. Segundo afirma, não se pode asseverar que são tão somente objeto deste ramo de estudo aquelas ações dadas frente a uma norma jurídica, orientadas por ela. Se assim fosse, as condutas delituosas cometidas por uma pessoa que não se desse conta de que aquele comportamento era típico, enquadrado como fato criminoso, não estariam submetidas à avaliação da Sociologia Jurídica, tendo por fundamentação o fato de que o indivíduo não se comportou tendo como baliza a norma penal. Tal ponto da argumentação merece maior fundamentação: "A definição de Max Weber do objeto da jurisprudência sociológica: a conduta humana adaptada (orientiert) pelo indivíduo atuante a uma ordem que ele considera válida, não é inteiramente satisfatória. De acordo com sua definição, um delito que foi cometido sem que o delinqüente tivesse qualquer consciência da ordem jurídica não seria considerado um fenômeno relevante. Neste aspecto, a sua definição do objeto da sociologia é obviamente muito restrita. Uma sociologia do Direito que investiga as causas da criminalidade também levará em consideração delitos que foram cometidos sem que o delinqüente adaptasse (orientieren) a sua conduta à ordem jurídica. Todo ato que, de um ponto de vista jurídico, é um "delito" é também um fenômeno que pertence ao domínio da sociologia do Direito, na medida em que existe uma possibilidade de que os órgãos da sociedade reagirão contra ele, executando a sanção estabelecida pela ordem jurídica. Ele é um objeto da sociologia do Direito mesmo se o delinqüente cometeu o delito sem pensar no Direito. A conduta humana pertence ao domínio da sociologia do Direito não por ser "orientada" à ordem jurídica, mas por ser determinada por uma norma jurídica como condição ou conseqüência. Apenas por ser determinada pela ordem jurídica que pressupomos como válida é que a conduta humana constitui um fenômeno jurídico.
A conduta humana assim qualificada é objeto da jurisprudência normativa; mas é também objeto da sociologia do Direito na medida em que efetivamente ocorreu ou provavelmente ocorrerá. Esta parece ser a única maneira satisfatória de traçar um limite entre a sociologia do Direito e a sociologia geral. Esta definição, assim como a formulação de Max Weber, demonstram claramente que a jurisprudência sociológica pressupõe o conceito jurídico de Direito, o conceito de Direito definido pela jurisprudência normativa" (KELSEN, 1998, p. 257-258).
No entendimento de Kelsen, como vemos no texto, a única ciência capaz de definir o que viria a ser "direito" seria a Ciência do Direito, sendo a Sociologia Jurídica diretamente dependente desta para a sua formulação. Deste modo, o autor vienense negava a dualidade de ramos do conhecimento que determinassem objetos relacionados ao estudo do Direito, a saber, a Sociologia Jurídica e a Dogmática Jurídica, visto que a única ciência que poderia fornecer um conceito de Direito seria a Ciência Jurídica, por meio da Dogmática.
Em que pese a argumentação do autor vienense, podemos traçar inúmeras conclusões com base a nos afastarmos mais dessa posição e nos aproximarmos do esquema analítico weberiano.

IV. CONCLUSÃO
O mérito maior de Weber, ao que parece, foi o de distinguir o âmbito de atuação de cada um desses ramos do conhecimento, a saber, a Dogmática Jurídica e a Sociologia do Direito. Também se prestou, na mesma medida, a elucidar quais as metodologias – a lógico-normativa e a empírico-causal – de que ambas as ciências valiam-se para entender seus objetos específicos. Assim, vislumbra-se que Weber indubitavelmente não negou o caráter científico a nenhuma das duas ciências. Em realidade, cada uma analisa o Direito sob prismas diferentes e de forma alguma excludentes. Pelo contrário, enquanto a Dogmática Jurídica estabelece a melhor forma possível de se elaborar e organizar normas, dentro de um sistema coerente e isento de contradições e, acima de tudo, exigível, a Sociologia do Direito atua do outro lado, verificando se aquelas normas efetivamente estão sendo seguidas e em que grau pelos seus destinatários. E nisto esta servirá de auxílio àquela na elaboração de normas cada vez mais eficientes e que cumpram o fim almejado pelo legislador12.
Quando Kelsen afirma que a Sociologia do Direito serve-se de conceitos elaborados pela Ciência Jurídica, negando seu caráter científico, acaba por limitar demasiadamente o universo do fenômeno jurídico a uma visão muito restrita da realidade. O que ocorre, em verdade, é que a Sociologia Jurídica utiliza as interpretações Dogmático-jurídicas como um meio heurístico de análise dos fatores empiricamente constatáveis. Trata-se de um recurso instrumental de estudo das interconexões causais dos comportamentos dos indivíduos perante o sistema normativo. É evidente, entretanto, que sem um ordenamento jurídico ideal prévio, o desenvolvimento das ações concretas seria impraticável. Não obstante, ainda que a Sociologia Jurídica empregue alguns entendimentos formulados pela Dogmática Jurídica, em nada isto interfere quanto a lhe conferir autonomia e capacidade de formular seus próprios conceitos e interpretações. No intuito de elaborar um sistema jurídico "fechado", isento de interferências externas ao Direito, Kelsen, mediante o indiscriminado emprego de posicionamentos reducionistas, comete impropriedades conducentes a confinar o fenômeno do Direito em um prisma unívoco e limitado.
A idéia básica da Sociologia Jurídica, seu objeto por excelência, reside na análise das ações dos homens, verificando se, com efeito, a conduta deles submete-se à norma ou não, se afasta-se dela ou aproxima-se. Entretanto, há que se ressaltar que não se parte de uma relação da norma para com os indivíduos, mas ao contrário. Weber, inclusive, levanta a hipótese exagerada, mas não fictícia, de que uma sociedade poderá reorganizar-se segundo preceitos socialistas sem que, no entanto, com isso se altere um artigo de lei. O que importa para a Sociologia Jurídica basicamente é a verificação do comportamento dos indivíduos segundo determina o sistema jurídico, estabelecendo grau, teor, alcance e meios pelos quais os homens seguem ou simplesmente ignoram os preceitos ideais normativos. Estabelecer tais distinções é fundamental para a Sociologia Jurídica. Há de se citar, a título de exemplo, que é comum a população muitas vezes orientar suas ações segundo um hábito ou costume – ato este originalmente criado por ou em conformidade com prescrições legais (a proibição do casamento de filhos com pais, o dever de fidelidade conjugal na constância do matrimônio, a aposição de uma assinatura em um cheque etc.) sem que, de forma alguma, possua conhecimento da vigência ou mesmo da existência da norma que gerou este hábito ou que com ele se compatibilize. Não se pode aí afirmar que é hipótese de observância à lei, a não ser no sentido postulado por Kelsen (subsunção formal). Torna-se evidente que a pessoa não se orientou segundo a norma, mas segundo um costume ou uso vigente. E para a Sociologia Jurídica essa diferença é gritante.
Segundo Kantorowicz, "a Dogmática sem a Sociologia está vazia. A Sociologia sem a Dogmática está cega" (Kantorowicz apud DULCE, 1989, p. 73; tradução do autor). São duas formas distintas de encarar-se o fenômeno do Direito que se complementam entre si. E quanto a esse aspecto, Weber foi um pioneiro e ao mesmo tempo um democrata de academia (que nos perdoem o uso impróprio do mote). Em seu íntimo, cria ser possível existirem tantas ciências quantos pontos de vista específicos para o exame de um problema. Em função disso, não há por que pensar que já esgotamos todas as possibilidades. Por sua posição alheada à diversidade científica, refutava impetuosamente as teses de teóricos, especialistas ou filósofos que intentassem reduzir a realidade ou um fenômeno a uma perspectiva apenas. Tal era o teor das críticas com que sempre atacava Augusto Comte e sua tese da hierarquização das ciências sob a égide do Positivismo, para não falarmos de tantos outros autores.
Em razão de as ciências serem autônomas, pelos seus próprios fundamentos intrínsecos, nenhuma jamais poderia servir de base ou modelo à outra. É impensável conceber a prevalência da Sociologia Jurídica em relação à Ciência do Direito como pensavam Kantorowicz e Erlich e, de maneira contrária, a primazia da segunda para com a primeira, como entendia Hans Kelsen. A Dogmática Jurídica é uma ciência normativa por excelência ("dever-ser"), que em nada se confunde com a Sociologia do Direito, ciência interpretativa e descritiva do comportamento social ("ser"), relacionado a um ordenamento jurídico vigente. A pedra de toque elucidada por Weber foi justamente a coerência e o discernimento analítico em separar cada uma dessas ciências e relegá-las aos seus respectivos campos de validade, preservando suas autonomias e suas lógicas internas. Cada uma dessas ciências enfoca e interpreta o Direito sob pontos de vista diferentes, ambas dotadas de harmonia e coerência analíticas.
É apenas assim que podemos situar em Weber as nossas diretivas mais veementes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, A. B. 2001. Elementos de Sociologia do Direito em Max Weber. Florianópolis : Insular. [ Links ]
BENDIX, R. 1986. Max Weber : um perfil intelectual. Brasília : UNB. [ Links ]
BITTAR, C. E. & ALMEIDA, G. A. 2001. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo : Atlas. [ Links ]
BOBBIO, N. 1998. Max Weber et Hans Kelsen. In : _____. Essais de Théorie du Droit; recueil de textes. Paris : Bruylant. [ Links ]
_____. 2000. Teoria geral da Política : a Filosofia Política e a lição dos clássicos. Rio de Janeiro : Campus. [ Links ]
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N. & PASQUINO, G. (orgs.) 1999. Dicionário de Política. 12ª ed. Brasília : UNB [ Links ]
COHN, G. 1979. Crítica e resignação : fundamentos de Sociologia de Max Weber. São Pau-lo : T. A. Queiroz. [ Links ]
DULCE, M. J. 1989. La Sociología del Derecho de Max Weber. Ciudad de México : Universidad Nacional Autónoma de México. [ Links ]
FREUND, J. 2000. Sociologia de Max Weber. 5ª ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária. [ Links ]
GRAU, E. R. 2000. Direito posto e Direito pressuposto. São Paulo : Malheiros. [ Links ]
KELSEN, H. 1921.Der Staatsbegriff der vertehende Soziologie. Zeitschrift für Volkswirtschaft und Soziologie, Neue Folge, 1 Band, p. 104-119. [ Links ]
_____. 1998. Teoria geral do Direito e do Estado. 3ª ed. São Paulo : M. Fontes. [ Links ]
_____. H. 1999. Contribuiciones a la teoría pura del Derecho. 4ª ed. Ciudad de México : Fontamara. [ Links ]
_____. 2000. Teoria pura do Direito. 6ª ed. São Paulo : M. Fontes. [ Links ]
KRAWIETZ, W. 1994. El concepto sociológico del Derecho y otros ensayos. 2ª ed. Ciudad de México : Fontamara. [ Links ]
LASCOUMES, P. 1995. Actualité de Max Weber pour la Sociologie du Droit. Droit et Société, Paris, n. 14. [ Links ]
LÉVI-BRUHL, H. 1997. Sociologia do Direito. 2ª ed. São Paulo : M. Fontes. [ Links ]
LUHMANN, N. 1985. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro. [ Links ]
RADBRUCH, G. 1997. Sociologia do Direito. 6ª ed. Coimbra : A. Amado. [ Links ]
SOUZA, J. (org.). 2001. A atualidade de Max Weber. Brasília : UNB. [ Links ]
TRATENBERG, M. 1985. Burocracia e ideologia. São Paulo : Ática. [ Links ]
TURNER, S. P. & FACTOR, R. A. 1994. Max Weber : The Lawyer as Social Thinker. Lon-don : Routledge. [ Links ]
WEBER, M. 1991. Sobre a teoria das Ciências Sociais. São Paulo : Moraes. [ Links ]
_____. 1999. Economia e sociedade : fundamentos de Sociologia Compreensiva. V. 2. Brasí-lia : UNB. [ Links ]
_____. 2000. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 14ª ed. Rio de Janeiro : Biblioteca Pioneira das Ciências Sociais. [ Links ]
_____. 2003. Ciência e política : duas vocações. São Paulo : M. Claret. [ Links ]